25 outubro 2020

1820 - O Liberalismo em Portugal (III)

(Continuação daqui)



                                                                                         III. Liberalismo e Catolicismo


Uma das teses centrais do livro do Professor Rui Albuquerque é a de que o Liberalismo existiu em Portugal entre 1820 e 1850 e daí para a frente nunca mais teve expressão no país. É certo que deixou marcas institucionais sem as quais o Portugal moderno não seria possível - como o Parlamento e a Constituição -, mas como ideologia política nunca se consolidou.

Na realidade, o Liberalismo em breve passou de moda no país. Na década de 1840 surgiu o Socialismo na Europa e, com os habituais 30 anos de atraso, chegou a Portugal importado pela Geração de 70. E se os trinta anos de Liberalismo tinham sido de grandes rupturas na sociedade portuguesa, os anos que estavam para chegar de Socialismo e de Republicanismo não o seriam menos.

Até à Revolução de 28 de Maio de 1926 que marca o fim de um século de ideologias em Portugal e o regresso ao conservadorismo católico que constitui a cultura tradicional portuguesa. Salazar e Marcello Caetano eram anti-liberais, ambos considerando que o liberalismo inglês, com o seu parlamentarismo e a afirmação dos direitos individuais perante o Estado, se adaptava muito bem à cultura do povo britânico, mas não à cultura do povo português.

Salazar, aliás, rejeitava com igual veemência o Socialismo como sendo inadaptável a Portugal. Os portugueses - dizia ele - comodistas como são, acabariam todos a viver à custa do Estado. Já Marcello Caetano possuía uma certa tendência para o socialismo democrático ou social-democracia que irritava profundamente Salazar.

Em 1968, quando Salazar faleceu, a despesa do Estado pesava 16% no PIB, aproximando, ironicamente, o Estado salazarista do ideal liberal do Estado Mínimo. Seis anos depois, em 1974, quando o Governo de Marcello Caetano caiu, o Estado pesava já 20% no PIB. Era o início do Estado social ou Estado-Providência que a democracia e os dois grandes partidos sociais-democratas do novo regime viriam a expandir até o Estado atingir hoje cerca de 50% do PIB.

Mas se o Liberalismo não se conseguiu impôr em Portugal, ficando a sua vigência no país restringida aos 30 anos que mediaram  entre a Revolução Liberal de 1820 e a Regeneração iniciada em 1851, a que é que isso se deve? Por outras palavras, o que é que impediu que o Liberalismo pegasse de pedra e cal no país?    

O Professor Rui Albuquerque nunca se põe esta questão de forma explícita e, por isso, a resposta também não é explícita no seu livro. Mas existe uma resposta implícita que está contida  no último capítulo que tem o título "Liberalismo e Maçonaria" (pp. 290-315).

E a resposta é a seguinte: "O Liberalismo falhou em Portugal porque nunca conseguiu vencer o conservadorismo católico". 

O Professor Rui Albuquerque exagera, na minha opinião, o papel que a Maçonaria teve na divulgação das ideias liberais em Portugal na primeira metade do século XIX.  Aquilo que ele certamente não exagera é no vigor com que a Igreja Católica se opôs ao Liberalismo (e também à Maçonaria). 

O Liberalismo triunfou em Inglaterra com a Revolução Gloriosa de 1688 porque conseguiu derrotar o Catolicismo e proibi-lo. O Liberalismo triunfou na Revolução Americana de 1776  porque não havia oposição do Catolicismo (o Catolicismo estava proibido em Inglaterra e, portanto, também, na sua colónia americana). O Socialismo triunfou na Prússia de Bismarck (cf. aqui), e nos países do norte da Europa, porque conseguiu derrotar o Catolicismo, e igualmente proibi-lo e persegui-lo.

Quer dizer, as ideologias triunfaram onde conseguiram eliminar o Catolicismo. Não foi esse o caso de Portugal.

No final do século XIX, a rivalidade entre Liberalismo e Socialismo na Europa era intensa porque era também a rivalidade entre duas correntes do protestantismo, o calvinismo e o luteranismo. Nessa altura, a Igreja Católica decidiu intervir no debate social, tendo o Papa Leão XIII publicado a Encíclica Rerum Novarum (1891) que viria a dar origem à chamada Doutrina Social da Igreja e à corrente política chamada  da Democracia-cristã.

Em síntese, a Encíclica condenava quer o Liberalismo quer o Socialismo, como não podia deixar de ser, porque se tratava também de condenar as duas principais correntes do protestantismo. E, em seguida, afirmava a existência de uma Terceira Via entre Liberalismo e Socialismo que permaneceu para sempre um segredo muito bem guardado pela Igreja, mas que na prática a aproximava muito mais do Socialismo do que do Liberalismo. 

E aquilo que aproximava o Catolicismo do Socialismo era a ideia católica de comunidade e a ideia socialista de sociedade, a primeira unida pelo valor cristão da caridade, a segunda pelo valor laico da solidariedade. Uma e outra destas ideias opõem-se radicalmente ao valor do individualismo que é a marca distintiva do Liberalismo.

Enquanto a cultura católica prevalecer em Portugal, Portugal nunca será um país liberal. O Socialismo será sempre bastante mais provável no país, como se tem visto ao longo dos últimos 45 anos.

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