16 outubro 2020

1820 - O Liberalismo em Portugal (II)

(Continuação daqui)






II. Duas Tradições de Liberdade

O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, evocou esta semana a revolução liberal de 1820 e prestou uma homenagem à cidade do Porto onde a revolução teve lugar (cf. aqui). No mesmo sentido, para comemorar os 200 anos da revolução, o Professor Rui Albuquerque publicou recentemente o seu livro "1820 - O Liberalismo em Portugal".

No contexto deste livro, a questão a que pretendo responder é a seguinte: Como é que um socialista, como Ferro Rodrigues, e um liberal, como Rui Albuquerque, podem ambos prestar homenagem à revolução liberal de 1820?

A resposta é que ambas as ideologias - o liberalismo e o socialismo - se reclamam da liberdade.

Na realidade, um dos temas centrais da primeira parte do livro do Professor Albuquerque, e uma das suas conclusões mais importantes, é  a de que o Iluminismo produziu na Europa não uma, mas duas tradições de liberdade - a tradição inglesa e a tradição francesa. E que estas duas tradições se distinguem principalmente pelo papel que atribuem ao Estado.

Diz ele:

"Na verdade, enquanto que para o liberalismo inglês, o Estado é tido como o grande Leviathan, donde podem vir quase todos os perigos para a liberdade, para o liberalismo francês é do próprio Estado, da sua acção política e  social enformada pelos ideais da razão e da igualdade, que resultarão as garantias necessárias à efectividade material desses direitos [individuais]" (op. cit., p. 316)

Em 1820 o liberalismo já existia enquanto ideologia, mas o socialismo ainda não tinha nascido. Geralmente, toma-se o ano de 1848, com a publicação do Manifesto do Partido Comunista, como a data oficial do nascimento do socialismo. Porém, a tradição de liberdade de que o socialismo viria a reclamar-se já existia neste "liberalismo francês" e que vários autores do "liberalismo inglês" - como o nosso Alexandre Herculano - consideravam que não era liberalismo nenhum.

Depois de ter produzido uma excelente exposição sobre as duas correntes do liberalismo - o inglês e o francês -, o Professor Albuquerque propõe-se avaliar qual deles foi mais importante a influenciar o liberalismo vintista português, e este é, talvez, o ponto menos conseguido do livro. No momento de se decidir por um ou por outro, o autor parece vacilar. 

Não creio existirem grandes dúvidas. Em termos das ideias e da prática política, o "liberalismo francês" foi muito mais influente em Portugal do que o "liberalismo inglês". Foi assim na revolução de 1820 e ainda hoje é assim.

A Constituição Portuguesa de 1976  é o exemplo acabado da influência em Portugal do "liberalismo francês", que hoje se chama socialismo, e que em 1820 se chamava "liberalismo" (francês) somente porque a palavra socialismo ainda não tinha sido inventada (seria cunhada em 1840 pelo francês Pierre Proudhon).

São estes dois liberalismos - o inglês e o francês - que este ano são celebrados em Portugal.  O presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, celebra o "liberalismo francês", o Professor Rui Albuquerque celebra o "liberalismo inglês". 

Eu celebro com o Professor Albuquerque este último porque o outro  não é liberalismo nenhum. É socialismo.


(Continua)

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