V. The cock
As demoras na justiça, que são um dos principais defeitos do sistema judicial português, explicam-se, em parte, por os tribunais estarem ocupados em processos fúteis, como são os processos por ofensas.
No caso que relato a seguir, um jogador de futebol e o seu treinador foram levados a tribunal por terem injuriado o árbitro num jogo de futebol em Serpa, em 2016.
Já se imagina o pandemónio em que se transformariam os tribunais se os milhões de insultos a árbitros que, em cada fim-de-semana, são proferidos nos campos de futebol do país fossem levados a julgamento.
O árbitro apresentou queixa-crime e o Ministério Público deu seguimento à queixa. Os arguidos foram julgados e condenados em primeira instância no Tribunal de Beja. Recorreram para a Relação de Évora mas as duas desembargadoras que apreciaram o caso não lhes deram razão e confirmaram a condenação num acórdão de Dezembro de 2018.
Se este caso subisse ao TEDH, fico na dúvida como é que se iriam traduzir para inglês ou francês, que são as duas línguas oficias do Tribunal Europeu, para os juízes entenderem, expressões como "árbitro do caralho" ("referee of the cock"?) ou "vai-te para o caralho, paneleiro" ("go yourself to the cock, gay man"?).
Eis a transcrição de uma parte do acórdão do Tribunal de Relação de Évora (cf. aqui o texto integral)
I - A prolação em campo, por jogador de futebol, das expressões "árbitro do caralho" e "és um filho da puta", dirigidas ao árbitro que ali se encontra no exercício das funções de arbitragem, esta última expressão acompanhada de uma cuspidela na cara do visado e proferida na sequência da exibição de um cartão vermelho, realiza o tipo do crime de "injúria" (agravada).II - Assim sucede com a prolação, em idênticas circunstâncias de tempo e lugar, por treinador de futebol, das expressões "vai-te para o caralho, paneleiro" e "és um grande palhaço, filho da puta", proferida esta na sequência de expulsão de jogador.III - Reconhecendo-se que existe alguma tolerância social para uma aspereza de linguagem em contexto de prática desportiva de futebol, não pode aceitar-se que os insultos concretamente proferidos, por treinador e por jogador de futebol directamente à pessoa do árbitro em exercício de funções no decurso de um jogo, façam parte da normalidade do jogo de futebol; e mesmo a fazê-lo, seria sempre de uma "normalidade" meramente estatística que se trataria, e não de uma normalidade valorativa, sendo sobretudo a esta que se deve atender na avaliação sobre a eventual "adequação social" de um comportamento.IV - A prolação das referidas expressões, ofensivas da honra e consideração profissional, proferidas em tom ofensivo e intimidatório e num contexto de para-violência (uma delas foi até acompanhada de uma cuspidela no rosto, o que reforça a ofensividade e gravidade do comportamento) visando a pessoa de um árbitro no exercício de funções, funções cujas condições para um bom desempenho cumpre também acautelar e preservar são típicas à luz do crime de injúria agravada.V - E também a expressão "mato-te cabrão", verbalizada após prolação das expressões injuriosas, de um "toma lá porco" e de um lançar de cuspo para o rosto, traduz ameaça com a prática de um mal, que consubstancia ofensa à integridade física e não se esgota no momento temporal da prolação da expressão, realizando o crime de ameaça. [1]
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