06 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (14)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 14. Constituído arguido



A uma sexta-feira, o juiz Francis dos Coldres recebeu a notificação do DIAP para comparecer na quarta-feira seguinte na qualidade de "Denunciado".

A notificação não especificava o crime, mas tinha no topo a inscrição "Crimes de investigação urgente" e isso talvez explicasse a pressa do DIAP em recebê-lo em menos de uma semana a contar da data da notificação. Normalmente, a burocracia do DIAP demorava um ano a ouvir o arguido.

O DIAP  - oficialmente, Departamento de Investigação e Acção Penal - era o departamento de investigação criminal do Ministério Público, uma espécie de Polícia Judiciária para os crimes investigados pelo próprio Ministério Público, e cuja investigação se fazia sem os investigadores criminais saírem do gabinete.

Esta era, aliás, a maior diferença entre os magistrados do MP em serviço no DIAP e os agentes da Judiciária. A PJ ocupava-se de homicídios, traficantes de armas e burlões, verdadeiros crimes, ao passo que o DIAP se ocupava apenas de criminosos finos, tais como jornalistas, políticos, professores universitários e até juízes. Eram os chamados crimes de punhos de renda, embora ocasionalmente os crimes ocorressem em outras partes do corpo, que não necessariamente nos punhos.

Aconteceu assim com o juiz Francis dos Coldres. Foi recebido no DIAP por uma funcionária com o título de Técnica de Justiça, chamada Maria Teresa, que muito simpaticamente lhe disse que tinham recebido uma denúncia contra ele.

-Quem fez a denúncia?

perguntou o juiz.

-Foi uma denúncia anónima…,

respondeu a funcionária Maria Teresa.

Era assim, inventando uma denúncia anónima, que os magistrados do Ministério Público se permitiam perseguir qualquer pessoa no país.

-Quem é o magistrado que conduz o inquérito?

-Isso está em segredo de justiça.

Era assim que os magistrados do Ministério Público, que faziam a acusação, se escondiam da sua vítima, não dando a cara pelas acusações que produziam. A razão é que a maior parte das acusações produzidas pelo Ministério Público eram falsas.

-Qual é o crime?

-Micose da virilha.

-Mas eu não tenho micose da virilha...

e acto contínuo, o juiz Francis levantou-se da cadeira e começou a desapertar o cinto para mostrar à funcionária que não tinha micose da virilha.

Ao ver o que o juiz se propunha fazer,  Maria Teresa desatou aos gritos a chamar o polícia de serviço no DIAP... que não ... que não... e a tapar a cara... o que é que o marido ia dizer de um homem se estar a despir à frente dela…

O juiz retraiu-se, hesitou por um momento, o polícia já se preparava para o algemar, voltou a apertar as calças, e a funcionária Maria Teresa, ainda a tapar parcialmente a cara, mas já mais calma, disse-lhe:

-O que o senhor tem a fazer é pedir a abertura da instrução e mostrar isso a um juiz de instrução…

Bastante contrariado, mas intimidado pelo polícia, que estava armado, ao passo que ele fora obrigado a deixar o coldre na recepção,  o juiz Francis resignou-se a não poder mostrar ali a sua inocência. Assinou os papeis que o constituíam arguido, com termo de identidade e residência, e saiu porta fora.

No instante seguinte, o magistrado Toni Guimarães abriu a porta do seu gabinete e, estendendo a cabeça de fora,  perguntou:

-Maria Teresa, como é que correu?

-Perfeito, senhor magistrado … constituído arguido … vai pedir a abertura de instrução…

-OK, vou já falar aos serviços e à juíza Cati.


(Continua aqui)

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