18 outubro 2019

As ruas de Barcelona (IV)

(Continuação daqui)

IV. Um braço de Madrid contra a Catalunha



As ruas de Barcelona estão hoje cheias de gente e de alguma violência (cf. aqui).

É a maior manifestação de protesto contra a sentença do Supremo Tribunal anunciada esta semana sobre os independentistas catalães, que os condenou a penas de prisão que vão até 13 anos.

Conforme referi anteriormente, isto mesmo poderia ter acontecido há poucos anos na Escócia e, antes ainda, por duas vezes, no Québec. Não aconteceu porque, quer o Reino Unido, quer o Canadá (um país que, ele próprio, é filho do Reino Unido) são países com uma tradição democrática.

Ao passo que a Espanha não tem essa tradição. (Escusado será dizer que Portugal também não). Bem pelo contrário. E essa ausência de tradição democrática faz-se sentir, em primeiro lugar, no poder judicial, já que os outros poderes, melhor ou pior, lá se têm vindo a adaptar à democracia, fruto da sua maior exposição ao escrutínio público.

É um ponto crucial do carácter antidemocrático do poder judicial em Espanha (e também em Portugal) que pretendo fazer sobressair aqui. Trata-se da sua dependência em relação ao poder político.

O Reino Unido e o Canadá resolveram pela via política e democrática aquele que era um problema político, e portanto, resolveram-no pacificamente. Pelo contrário, a Espanha quer resolver o mesmo problema político pela via judicial e autoritária. O resultado é a violência.

Num artigo de opinião hoje no Público (cf. aqui, acesso pago), o Francisco Teixeira da Mota, depois de concluir que este é um processo político e que os independentistas catalães são presos políticos, escreve assim:

"É por isso que este julgamento, para além de cumprir um ritual e obrigação do Estado espanhol, é inútil, porque o que está em causa não é a condenação de criminosos pela prática de quaisquer crimes, mas sim condenar oposicionistas políticos por não se conformarem com a regras do Estado espanhol e pretenderem, de forma não violenta, a independência da Catalunha".

Eu estava com curiosidade em conhecer a opinião do Teixeira da Mota sobre este assunto porque estou convencido que será o TEDH a resolvê-lo - e que o vai resolver favoravelmente à Catalunha - , e ele é um especialista em assuntos do TEDH.

Sem certamente o pretender, no parágrafo citado em cima, o Teixeira da Mota toca num ponto da tradição ibérica do direito penal - que é uma tradição inquisitorial - que é central para que se possa compreender por que é que em Espanha o processo independentista está a descambar na violência, ao passo que no Reino Unido e no Canadá se desenrolou pacificamente.

É quando diz: "(…) este julgamento [está a] cumprir um ritual e obrigação do Estado espanhol (…)"  

Quer dizer, em Espanha (tal como sucede em Portugal), a Justiça está ao serviço do Estado, isto é, do poder político - e não dos cidadãos, como devia estar numa democracia. A Justiça está a cumprir um mero ritual do Estado espanhol...

Na realidade, o facto de nem em Espanha nem em Portugal a Justiça ser independente do poder político - como deve ser numa democracia -, mas estar ao serviço do poder político - como acontece nos regimes autoritários que são a tradição dos dois países ibéricos - é a causa do conflito entre Madrid e a Catalunha, e da violência que se está a fazer sentir nas ruas de Barcelona.

No Reino Unido, se fosse chamada a intervir, a Justiça seria um árbitro imparcial entre Londres  e a Escócia. No Canadá, se fosse chamada a intervir, a Justiça seria um árbitro imparcial entre Ottawa e o Québec. Mas em Espanha, chamada a intervir, a Justiça é um braço de Madrid contra a Catalunha.

O resultado só pode ser o sentimento de injustiça e de revolta entre os independentistas catalães, mais a consequente violência.

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