16 outubro 2019

A imparcialidade dos juizes (VI)


(Continuação daqui)


VI. Atavismo cultural



Num  artigo de Maio passado em que comenta o acórdão do Tribunal da Relação do Porto relativo ao meu case study (cf. aqui, acesso pago), o advogado Francisco Teixeira da Mota, que é especialista em processos por liberdade de expressão junto do TEDH, abre o artigo escrevendo assim:

"Paulo Rangel é um merecidamente destacado dirigente do PSD e cabeça de lista dos candidatos a deputados do seu partido ao Parlamento Europeu. Lamentavelmente, acaba de averbar uma vitória nos tribunais portugueses que é uma derrota para todos nós e, em termos europeus, mais uma prova do nosso atavismo cultural".

Dizer que Portugal é um país atávico é uma generalização abusiva. Como genuíno país católico tem de tudo, desde as pessoas e instituições  mais atávicas que se possam imaginar até ao outro extremo, as pessoas mais progressivas e abertas que é possível conceber. E ainda todos os graus intermédios.

Mas a experiência que adquiri com o meu case-study, e uma observação atenta ao longo dos últimos anos, levam-me a partilhar com o Teixeira da Mota a opinião de que na Justiça se encontra uma  forte cultura de atavismo e que também se encontram aí algumas das  pessoas e instituições mais atávicas do país. É a consequência de o poder judicial, desde a implementação da democracia, ser o menos submetido ao escrutínio público, em comparação com os poderes executivo e legislativo.

Quem leu o clássico de Karl Popper "A sociedade aberta e os seus inimigos" e queira conhecer, em Portugal, quem são os inimigos da sociedade aberta, eu recomendaria que os procurasse dentro do sistema de justiça. Em lugares institucionais, é no sistema de justiça, e entre todos os seus agentes - advogados, magistrados do MP e até juízes, embora existam excepções -, que vai encontrar, de certeza, as pessoas com o pensamento mais tradicional, autoritário e fechado, que são as características essenciais do atavismo.

É esse atavismo cultural que tenho vindo a procurar expor também ao longo desta série de artigos consagrada à imparcialidade dos juízes, para além do esbanjamento de recursos em que ele se traduz, das demoras a que dá lugar na Justiça, e das injustiças a que inevitavelmente conduz.

Em Maio, no seguimento do acórdão que me condenou (cf. aqui), submeti um requerimento ao TRP pedindo a sua nulidade,  com base na falta de imparcialidade do juiz-relator Pedro Vaz Patto. Juntava documentos que atestavam os dois factos seguintes:

a) o juiz é um participante activo no espaço público, como eu, com posições opostas às minhas, e portanto encontra-se numa posição de conflito de interesses para me julgar numa questão de liberdade de expressão, sendo ao mesmo tempo jogador e árbitro;
b) mais importante ainda, o juiz é companheiro do Paulo Rangel no âmbito da associação O Ninho, ambos ocupando posições institucionais nessa associação.

A minha primeira surpresa foi a de ver os acusadores - o Papá Encarnação e o magistrado Y -, saírem em defesa do juiz.  A segunda já não foi surpresa porque era uma característica que eu já conhecia no primeiro e antecipava no segundo - o carácter batoteiro de ambos.

Eu tinha argumentado com base no artigo 6º da CEDH, e respectiva jurisprudência, que é lei em Portugal quando se trata da imparcialidade de um tribunal. Eles contestaram com base no artigo 43º e seguintes do CPP, que já não é lei em Portugal desde 1978, ano em que o país aderiu à CEDH.

Seguindo estritamente a jurisprudência do TEDH sobre a imparcialidade dos tribunais (cf. aqui, pp. 48 e segs.), apresentei o meu requerimento no local próprio - o TRP - e juntando documentos que provavam factos que punham em causa a imparcialidade do juiz Vaz Patto.

O Papá Encarnação e o magistrado Y, com base na lei morta do CPP  (artigos 43º e segs.), que reduz a questão da imparcialidade ao incidente de recusa do juiz, argumentam que eu devia ter apresentado o meu requerimento antes de produzido o acórdão; que os motivos que eu invoco não são "sérios e graves"; e que o requerimento deveria ser apresentado perante um tribunal superior.

Esta legislação felizmente está morta porque é claramente inquisitorial, sobreviveu no tempo de Salazar, e é também  antidemocrática. Mas é a legislação morta que é invocada. Ela está feita para proteger os juízes e os acusadores, não para proteger o réu. Ela exige que o réu (ou a outra parte) conteste a imparcialidade do juiz antes do julgamento; exige um motivo "grave e sério" que é de óbvia avaliação subjectiva;  e exige que a contestação seja feita perante um tribunal superior, que seria neste caso o Supremo Tribunal de Justiça.

Só um réu suicidário contestaria a imparcialidade do um juiz ao abrigo desta legislação. Tem de desconfiar da Justiça. E tem todas as probabilidades de ver a sua pretensão rejeitada e, depois, sofrer a animosidade e a retaliação do juiz.

O nosso sistema penal é acusatório e medieval, está feito para condenar quem é acusado. Tem o grande defeito, portanto, de condenar, às vezes, pessoas inocentes e de ser propício a condenar pessoas inocentes. Viola os mais ancestrais princípios de justiça porque está todo ele virado contra o réu. É profundamente persecutório.

A jurisprudência do artigo 6º do TEDH (cf. aqui, pp. 48 e segs.), é democrática, equitativa e aberta. O réu pode contestar a imparcialidade do tribunal antes ou depois de produzida a sentença. Na realidade, é depois de produzida a sentença que a parcialidade do tribunal é trazida à luz do dia.

Aconteceu no meu case-study. O acórdão é ostensivamente contra a jurisprudência do TEDH em matéria de conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra, por cuja violação Portugal é recordista de condenações no TEDH. Acresce, que um dos três juízes - a juiz Paula Guerreiro - adverte os seus colegas, num veemente voto de vencida, que estão a cometer uma injustiça, condenando um inocente.

Foi isto que me levou a procurar saber quem era o juiz-relator,  Pedro Vaz Patto, já que o outro juiz assinava com um gatafunho e só dois meses depois eu conheceria a sua identidade, curiosamente através do artigo do Francisco Teixeira da Mota no Público.

Facilmente encontrei na internet - essa grande invenção democrática da minha geração - informação comprometedora  acerca da imparcialidade do juiz Pedro Vaz Patto. E foi pena que tenha demorado tanto tempo a saber a identidade do outro juiz, porque teria também atacado a sua falta de imparcialidade. (Como se sabe, eu não menciono este juiz pelo nome por que tenho medo, cf. aqui).

É que ele encontra-se, para julgar o meu caso em que estão envolvidos alegados crimes de ofensas, numa posição de conflito de interesses gigantesca. Ele é talvez o recordista nacional a pôr processos por ofensas a terceiros  e tudo indica que espera enriquecer dessa maneira, se é que  já não enriqueceu.

No momento em que foi escrito este artigo de jornal (cf. aqui), num só tribunal, em que, incidentalmente, ele era também o inspector dos juízes, ele tinha metido sete processo por ofensas. Noutro tribunal, e em mais um processo por ofensas, ele pedia uma indemnização milionária (cf. aqui).

Um juiz assim decide sempre pelo lado do ofendido, o qual pertence, como ele, à confraria dos ofendidos (cf. aqui). Decidir pelo lado do alegado "ofensor" obrigá-lo-ia, por uma questão de coerência, a desistir de todos os processos em que ele é ofendido e a renunciar a enriquecer de uma das maneiras mais cómodas que se podem imaginar - invocando a honra!

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