16 outubro 2019

A imparcialidade dos juizes (VII)

(Continuação daqui)

VII. Juiz Paula Guerreiro



"Quanto à matéria que seria fundamento de uma eventual recusa do Senhor Desembargador Relator por vencimento, diremos apenas que é extemporânea a pretensão após a prolação da decisão e não seria nunca matéria da nossa competência - artºs. 44º e 45º, nº 1, al a) do CPP.
Nenhuma violação se vislumbra, perante o exposto, nem do artº 6º nº1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem  nem de qualquer outra norma legalmente aplicável, inexistindo assim o alegado vício do Acordão, agora posto em crise.
Tudo visto e ponderado decide-se indeferir o requerimento de arguição de nulidade deduzido pelo arguido".

É assim que num despacho do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de Junho, assinado pela juiz Paula Guerreiro, o meu requerimento a pedir a anulação do acórdão (cf. aqui) por falta de imparcialidade do juiz-relator, Pedro Vaz Patto, é indeferido.

Eu pedia a anulação do acórdão por falta de imparcialidade do tribunal, a que se refere o artº 6º, nº 1, da CEDH e respectiva jurisprudência (cf. aqui, pp. 48 e segs.).

O Tribunal da Relação do Porto responde-me como se eu tivesse pedido a escusa do juiz Vaz Patto - uma coisa obviamente impossível de pedir a posterior porque o acórdão já tinha sido produzido -, dizendo que a minha pretensão é extemporânea, porque devia ter sido apresentada antes de o TRP ter produzido o acórdão (artº 44º CPP, cf. aqui) e que, em qualquer caso, eu estava a dirigir o requerimento ao tribunal errado, devendo dirigi-lo, não ao TRP, mas ao Supremo Tribunal de Justiça (artº 45º, nº 1, idem).

Ora, vejamos o que diz a jurisprudência do TEDH a este respeito (cf. aqui, pp. 48 e segs.). Diz que  devo dirigir a reclamação, em primeiro lugar,  ao "tribunal nacional" sem impor a condição de ser a um tribunal superior (cf. aqui: 233), como faz todo o sentido: devo dirigir-me, em primeiro lugar, ao tribunal que cometeu a falta, a fim de lhe pedir que a corrija.

E quanto ao momento para fazer a reclamação, não impõe quaisquer restrições de tempo, antes ou depois de produzida a sentença. Na realidade, o próprio TEDH só analisa casos de imparcialidade do tribunal depois de produzidas as sentenças nos tribunais nacionais respectivos. É sempre a posterior, nunca a priori, como exige a lei portuguesa caduca (artº 44º do CPP).

Por outras palavras, o meu requerimento é indeferido pela juiz Paula Guerreiro com base em normas nacionais (artºs 44º e 45º do CPP), que dizem exactamente o contrário da jurisprudência do TEDH acerca da imparcialidade do tribunal prevista no artº 6º, nº 1 da CEDH.

Qual a lei (e respectiva jurisprudência) que a este respeito vale em Portugal, a da CEDH ou a do CPP?

Não é de mais insistir. É a da CEDH. No tratado de adesão à CEDH em 1978, o Estado português compromete-se a aceitar todas as decisões do TEDH e a sua jurisprudência. Passaram 41 anos, e continua a ignorá-la, certamente no Tribunal da Relação do Porto e neste caso concreto.

Que o Papá Encarnação e o magistrado Y tenham vindo em defesa do juiz Vaz Patto surpreendeu-me. Que eles o tenham feito, utilizando legislação morta, como é a legislação do CPP neste caso, já não me surpreendeu nada porque eles são uns batoteiros, eu já conhecia essa faceta de outros lugares.

Mas, agora, que o Tribunal da Relação do Porto, pela mão da juiz Paula Guerreiro, vem fazer o mesmo, como classificar a coisa - batota também?

Não, creio que não, que não havia intenção deliberada de fazer batota, tanto mais que a juiz Paula Guerreiro se bateu com um assertivo voto de vencida entre os seus colegas para que não fosse cometida sobre mim a injustiça da condenação.

Mas, se não é batota, é o quê?

É atavismo.

A juiz Paula Guerreiro, quando está em causa a imparcialidade do tribunal - e ao contrário do que sucede quando está em causa o conflito entre o direito à liberdade de expressão e o direito à honra em que ela assume a posição progressiva e aberta, que é também a posição da justiça - continua ainda a pensar como se estivéssemos no tempo do Estado Novo, que fazia gala em manter o país fechado, tradicional e autoritário. Numa palavra, atávico.

Talvez que, quando ela entrou para a Faculdade, a questão da imparcialidade dos juízes fosse ainda regulada pelos artigos do CPP que ela cita agora para indeferir o meu requerimento. Mas, entretanto, o país abriu-se, aderiu à CEDH, passaram 41 anos e, ela, de estudante de Direito, passou a juiz-desembargadora.

Já não é o mesmo país atávico dos seus tempos de estudante. Mas parece que o atavismo desses tempos, em certos aspectos, lhe deixou marcas para a vida.

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