30 setembro 2019

O Juiz-Pistoleiro (7)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 7. Acariciava a pistola



Aos sessenta e quatro anos, a menos de doze meses de atingir a terceira idade, havia apenas um objectivo que o juiz Francis dos Coldres nunca tinha conseguido realizar na vida, e que constituía o seu programa de vida para o resto da sua existência.

Ele já tinha enriquecido a pôr processos judiciais. Ele já tinha um avião. Ele já dera pancada no irmão mais novo. Ele já tinha sido suspenso das suas funções de inspector judicial. Ele já tinha posto um processo judicial a um bastonário de uma ordem profissional e a um presidente de Câmara.  Ele já tinha abastecido o seu avião na cidade espanhola de Tordesilhas, conseguindo uma poupança de treze euros em gasolina. Ele já conseguira a anulação do segundo casamento do seu próprio pai. Ele já tinha dado voz de prisão ao irmão mais novo.

Mas havia uma coisa, precisamente em relação a este irmão, que era aquilo que ele mais ambicionava na vida, mas que até agora permanecera para sempre frustrada - estourar-lhe os miolos.

O juiz Francis dos Coldres vivia obcecado com a ideia de estourar os miolos ao irmão. Adormecia a sonhar com a cena, na sua cidade natal, no átrio da igreja, o irmão a cair desamparado,  o povo a bater palmas, as mulheres a apanharem zelosamente os miolos do chão, e a colocá-los num saco de plástico para, mais tarde, os juntarem ao cadáver durante o velório. E ele, a arma ainda a fumegar, a meter a pistola no coldre  e a subir, triunfante, para o seu avião para ir reabastecer à Galiza.

O seu sonho já estivera muito perto de se realizar, segundo depoimento do irmão e o que disseram na altura os jornais. Certo dia, durante uma rixa de família na sua cidade natal, o que acontecia com inusitada frequência, o juiz sacou a arma do coldre, apontou-a à cabeça do irmão e disse-lhe: "Estouro-te os miolos". Mas ele desmente esta versão. Diz que sacou apenas da arma para intimidar o irmão.

Já quanto a dar ordem de prisão ao irmão, uns anos antes, quanto a isso, sim. E até adianta, afirmativo: "É perfeitamente legal". Ordem de prisão ao irmão, isso, ele deu porque a irmã, que estava presente, confirma tudo. Ele não conseguiu foi dar ordem à irmã para chamar a GNR a fim de vir prender o irmão, e tudo acabou em águas de bacalhau. Um caso de "Agarrem-me senão eu prendo-o"

Desde que começara a julgar Joe Pistolas no tribunal de Littlebushes, que o juiz Francis dos Coldres não conseguia dormir. A excitação era imensa. Transpirava de noite. Acordava a sacar da pistola. Via os miolos do irmão a voar pelos ares e a pousarem no chafariz do átrio da igreja onde as crianças iam beber água nos dias mais quentes de verão.

O juiz Francis dos Coldres estaria pronto a dar tudo o que ganhara na vida em processos por difamação em troca daquele prazer que Joe Pistolas deve ter sentido, no instante em que estourou os miolos ao irmão, o sangue a espirrar da cabeça, pedaços de miolos a atingirem sete metros de altura, tudo filmado em directo pelas câmaras da CMTV.

Desta vez, não seria cobarde, como fora da outra, em que o irmão estava desarmado. Desta vez, iria desafiá-lo para um duelo. Para isso treinava afanosamente dez horas por semana, havia sete anos, para adquirir destreza a sacar da pistola e a disparar. Já conseguia fazê-lo em 3,42 segundos.

O seu herói era um pistoleiro americano de 42 anos, conhecido por JPS, que sacava da pistola em 18 centésimos de segundo e já tinha morto 36 adversários em duelos. Era campeão mundial de duelos à pistola, versão Mauser, calibre 7 mm.

Naquele dia no tribunal, não havia micose nenhuma, ao contrário do que constava agora da acusação do Ministério Público. Era uma acusação falsa, como é normal no Ministério Público.

O juiz acariciava a pistola que tinha metida no coldre, escondido debaixo da toga.


(Continua aqui)

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