03 outubro 2019

O Juiz-Pistoleiro (8)

(Continuação daqui)


O Juiz-Pistoleiro
(Novela)


Cap. 8. O Dr. Adriano



A terceira sessão do julgamento teve lugar a uma terça-feira.

O juiz abriu a sessão lembrando o ponto em que a sessão anterior tinha sido interrompida:

-O réu estava a dizer…

Joe pistolas pegou na palavra do juiz:

-Que avisei o meu irmão ...Tozé, pá … eu estouro-te os miolos... porque eu sou o campeão mundial desta porcaria…

Assim que ouviu o réu dizer que estourava os miolos ao irmão, o juiz revirou os olhos e, apercebendo-se disso, Joe Pistolas calou-se.

Fez-se um silêncio no tribunal enquanto o juiz revirava os olhos, revirava, revirava…

Até que, volvidos dois minutos, deixou de revirar, e disse para o réu:

-Pode continuar a sua descrição do crime…

Joe Pistolas começou por corrigir o juiz:

-Eh pá… pára lá com essa coisa do crime … já esse sócio que está aí ao teu lado... e que afinal não é juiz... também só fala de crime, pá… Não houve crime nenhum, caraças!...Foi tudo legal…

E, depois de uma pausa, explicou:

-Eu e o Tozé pusémo-nos à distância regulamentar de dez metros um do outro … Pedimos a um senhor que ia a passar que servisse de árbitro e demos-lhe um apito ...Quando ele apitou, nós sacámos da arma... 

-Que tipo de arma usaram?,

perguntou o juiz.

-Mauser 7 mm.

-Quanto tempo é que o senhor demorou a disparar?

O juiz mostrava agora uma curiosidade  grande sobre o assunto com perguntas de detalhe e aparentemente irrelevantes:

-Demorei 18 centésimos de segundo … o Tozé demorou dezanove…

-Dezoito centésimos de segundo!?…

inquiriu o juiz Francis com o sobrolho carregado.

-Sim, pá…

-Mas isso é o record mundial de duelo em Mauser de 7 mm!...

Toda a gente na sala do tribunal estava agora desconcertada com o conhecimento minucioso que o juiz exibia da matéria.

-Pois é, pá…

-E pertence a um americano…

-Aí pá... estás ligeiramente enganado … é luso-americano, pá…

Os olhos do juiz brilhavam à medida que a conversa entrava nestes detalhes, porque, agora, era de uma verdadeira conversa que se tratava, o interrogatório judicial tinha ficado para trás.

O juiz Francis mostrava-se ansioso por revelar os seus conhecimentos:

-Que se chama JPS...

-Certo pá... tu sabes disto pa caraças…,

respondeu aprovadoramente Joe Pistolas.

-Sabe, senhor Pistolas... é que eu interesso-me por estas coisas … e sou um grande admirador do JPS… É o meu ídolo...,

confessou humildemente o juiz, sem nunca revelar o propósito que o tinha levado a interessar-se por estas coisas.

-O senhor também o conhece?...

perguntou o juiz, os olhos até lhe brilhavam.

-Então não havia de conhecer, pá… Sou eu!… 

-É o senhor!?…

perguntou o juiz de olhos esbugalhados.

-Sim, pá… JPS ... Joe Pains Saints… que é como se diz o meu nome em amaricano... José das Dores dos Santos, pá…os amaricanos têm a mania desta coisa das iniciais, pá…

O juiz Francis dos Coldres estava, de súbito, em frente ao seu maior ídolo de sempre que, ainda por cima, tinha acabado de estourar os miolos ao irmão quando veio de férias a Portugal no último Verão.

Era muito mais do que aquilo que o juiz Francis podia aguentar.

O juiz abriu muito os olhos, que começaram a revirar, a revirar, a revirar, até se fecharem, a cabeça tombou-lhe com estrondo sobre a tribuna e a sessão foi interrompida quando o Dr. Adriano, que era o advogado que representava a acusação particular, se ergueu da secretária, aflito,  e gritou:

-Chamem o INEM que o Ilustríssimo, Reverendíssimo, Meritíssimo juiz desmaiou!... 


(Continua)

Sem comentários: