31 agosto 2018

case-os, pedro

O Pedro Arroja é um homem admirável e talvez seja o intelectual mais honesto que conheci na vida. Não só porque a esmagadora maioria dos ditos intelectuais é desonesta, uns por dolo e quase todos pela natureza da actividade intelectual em si mesma (ver o que diz o Popper sobre a mais do que natural subjectividade, por vezes profundamente desonesta, da investigação científica), mas porque sempre disse aquilo em que realmente pensa e acredita. Pagou os custos disso, mas ficou com um valor moral invejável e quase único em Portugal.
E o que ele pensa sobre a natureza e a cultura portuguesa é, de há uns anos para cá, necessariamente filtrado pela religião católica, principalmente pelo papado. O Pedro é, em matéria religiosa, um «guelfo» ortodoxo. Orgulho-me um pouco disso, porque fui em parte responsável pelo facto dele ter voltado a escrever sobre política e filosofia, o que o levou até estas preocupações. De certo modo, acidentalmente ou talvez não, um agnóstico impenitente contribuiu para a revelação divina a um até aí ateu militante. É Obra...
Acontece, porém, que a fé do Pedro o leva muitas vezes a encolher a dimensão real das coisas. Por exemplo, quando ele, no último post aqui publicado, explica o anticlericalismo pelo protestantismo e pelo calvinismo acerta, em parte, na verdade, mas fica-se muito aquém dela. Basta pensarmos no caso português, e nos conflitos permanentes entre a monarquia e o clero nacional e o próprio papado, ao longo de toda a sua História (sim, a República é a cereja de um bolo que começou com Afonso Henriques...). De tal modo que todos os reis da nossa 1ª dinastia foram excomungados pelos papas e poucos escaparam na 2ª. Ou no beneplácito régio, que é habitualmente atribuído a D. Pedro I. Isto muito antes da Reforma Protestante, num país que nunca se entusiasmou com ela. Se olharmos para além das nossas humildes fronteiras europeias, sugiro a questão medieval das investiduras e os permanentes conflitos entre o Sacerdotium e o Imperium, os reis de França e os papas romanos.
É evidente que o Pedro alegará que o anticlericalismo é um sentimento e não um conjunto de políticas ou de ataques aos padres da Igreja Católica. É verdade que não há missa donde não saia mais de metade da assembleia de crentes a dizer mal do padre. Ou a homilia foi uma seca, ou o homem só disse disparates, ou canta de mal e de mais, ou só pensa em sacar dinheiro aos fiéis, e por aí vai. Mas esta é a velha questão do ovo e da galinha: qual apareceu primeiro?
Por último, deixo uma hipótese explicativa deste divórcio entre fiéis e clero, que, é verdade, o Pedro tem razão, é praticamente exclusiva do catolicismo, tentativa que nada tem que ver com a que ele deu de haver uma intenção herética de retirar os intermediários entre Deus e o Homem: os padres não se casarem e não terem família legalmente constituída. Ao não o poderem fazer, ao contrário dos protestantes, eles nunca se integram como verdadeiros membros das comunidades que pastoreiam. Por isso, também, um padre católico exerce a sua missão numa comunidade por tempo limitado, enquanto que um protestante vive lá toda a sua vida: este pertence a uma comunidade que lidera espiritualmente, enquanto que poucos dos primeiros são aceites entre aqueles a quem se dirigem aos domingos, uma vez por semana.
A teimosia da Igreja Católica em erradicar uma proibição sem qualquer fundamento teológico sério, que ainda por cima é de data recente na História da Igreja (só no século XV as tentativas de impor o celibato começaram a ser levadas a sério), é, actualmente, a principal fonte dos seus problemas e causa do anticlericalismo que predomina nas sociedades católicas. Para além de todos os problemas de sexualidade pervertida que têm fulminado a Igreja e que a todos nos envergonham. Seria um alívio para todos se ela acabasse.

5 comentários:

José Lopes da Silva disse...

Acabo de chegar de um jantar de amigos regado a álcool e mesmo assim diviso alguns erros ortográficos neste post, como " Para além de todos os problemas de sexualidade pervertida que tem fulminado a Igreja", que é "têm" e não "tem. É melhor rever isto com atenção, tem potencial mas tem que ser bem desenvolvido e durante o dia.

Anónimo disse...

"Para além de todos os problemas de sexualidade pervertida que tem fulminado a Igreja e que a todos nos envergonham".....mas se a homossexualidade é algo inerente à genética ao ser humano, isto é, um homossexual segundo a doutrina dominante é algum que já nasceu assim, a importância do casamento dos padres seria nula. Se na sociedade assente no casamento tradicional a pedofilia e o adultério não foram erradicados, porque é que a solução para todos os males na igreja seria o casamento dos padres ?

francisco disse...

rui a., penso que está a confundir o sacerdócio católico com o ser pastor protestante. São coisas diferentes, por isso no primeiro caso faz sentido o celibato.

Pode ver aqui duas explicações católicas sobre essa questão e se o fim do celibato pode resolver algum problema:
https://padrepauloricardo.org/episodios/qual-e-a-origem-do-celibato-sacerdotal
https://padrepauloricardo.org/episodios/ordenar-homens-casados-solucao-ou-problema

O sentido católico dos fiéis não é nos integrarmos em comunidades é antes sim sermos membros do mesmo Corpo.

Na minha opinião a principal causa do divórcio entre fiéis e clero é o clero lhes apresentar o mesmo que podem encontrar em qualquer lado, como se fosse apenas uma espiritualidade ou modo de vida, em que neste caso é católica mas podia ser outra.

rui a., como se apresenta como agnóstico convido-o a procurar a Verdade, a Igreja Católica não dá uma espiritualidade para uma vida em comunidade, apresenta antes sim a Vida, a Verdade e o Caminho para as conhecer e alcançar. Não é fácil ver, mas vale a pena procurar qual é a diferença, é como se toda a vida não tivesse saído da aldeia no sopé da montanha e pela primeira vez subisse ao cume e olhasse tudo à sua volta.

rui a. disse...

Anónimo José Lopes da Silva,

Agradeço, mas não foi erro, mas um lapso de escrita. Felizmente, ainda consigo conjugar o sujeito e o predicado. Mais uns copos e mais uns anos, e já não garanto.

Daniel Ferreira disse...

sr Rui a.,

Separe as relações que a Igreja teve com as monarquias pelos papas quem era Cristãos e pelos papas que eram Judeus e veja se encontra um (ou mais) padrão que sobressaia.