05 maio 2018

o retrato

Hoje vou ser alvo de uma pequena homenagem absolutamente inusitada e inesperada. Acontece por ocasião da reedição do meu livro "Cataláxia", 25 anos depois. (cf. aqui).

A iniciativa - soube recentemente - foi do meu filho Ricardo e os cuidados gráficos da nova edição estiveram a cargo da mãe.

Só há dois dias tive acesso ao novo volume. Está muito bem graficamente e, do ponto de vista do conteúdo, a única novidade para mim seria evidentemente o Prefácio do Ricardo.

Pus-me na posição dele e considerei que a tarefa não devia ser nada fácil, escrever sobre o pai enquanto economista e intelectual. Depois de ler, considerei que ele tinha feito um excelente trabalho.

E qual o aspecto que mais me impressionou?

O retrato que ele faz de mim enquanto intelectual. É um retrato surpreendente mas que, após breves momentos de choque e reflexão, eu tive de admitir que era o retrato verdadeiro.

O retrato está disperso ao longo das várias páginas do Prefácio, mas existem três momentos que são cruciais. Começa de maneira vagarosa e subtil, depois, pelo meio, vai esculpindo suavemente a figura do visado, até que já  próximo do final desfere a pincelada fatal que é também a pincelada surpreendente e verdadeira, como que a exultar: "És assim. Apanhei-te!".

O primeiro momento ocorre logo no início em que ele me cita numa crónica incluída no volume:

"Um intelectual que passe a vida a emitir ideias populares, no sentido de ideias que são tidas por todos como boas, sabe, no íntimo, que é um intelectual falhado" (Pedro Arroja, "Os intelectuais e o mercado" in "Cataláxia")".

A meio vem o momento suave e doce, acompanhado do anúncio do que pode vir a seguir:

"No que a mim diz respeito é uma retribuição do original que o meu pai me ofereceu em 1993 e em cuja dedicatória manuscrita se lê: 'Ao Ricardo, na esperança de que um dia ele tome a roda do leme'... Mas não é certo que eu tenha tomado a roda do leme - a apologia inabalada do liberalismo económico - como porventura o Pedro Arroja dos anos 90 terá um dia desejado. Estou até razoavelmente convencido de que, não fosse a condescendência paternal, e também eu já teria sido desancado num assunto ou noutro, naquele seu jeito intelectualmente demolidor".

Até que, já muito próximo do final, vem o momento surpreendente e verdadeiro:

"Uma obra que certamente contribuiu para mudar a mentalidade de alguns portugueses e, porventura, também para mudar algumas políticas. Ideias essas que tendo passado de excêntricas a populares, correm o risco de um dia se transformarem em alvos da fogosidade intelectual do seu autor. Porque há coisas que, mesmo à distância de trinta anos, não mudam. Está-lhe na massa do sangue e é assim que aqueles que lhe são próximos gostam dele".

-Mas, então, é esse o intelectual que eu sou?...O intelectual capaz de defender uma ideia aparentemente excêntrica mas que, logo que essa ideia se torna popular, será também o primeiro a desancá-la, para passar a defender outra ideia igualmente excêntrica?...

Sim, é esse o intelectual que eu sou - tive de admitir.

É isso que me dá prazer.

1 comentário:

Lamas disse...

Tenho o livro e ainda de vez em quando o lá vou consultar.
Comprei-o logo a seguir ao ter lido a reedição do Liberdade para Escolher do Milton Freedman.
Pergunto-me muitas vezes como seria agora o mundo se as teorias de então tivessem sido levadas à prática.
Na minha opinião de certeza muito melhor e sobretudo com uma herança para os meus filhos e netos muito mais rica e livre.
Aproveito para lhe dar os parabéns pela comemoração dos 25 anos do Cataláxia.