05 maio 2018

cataláxia

Estive, hoje, na apresentação da edição comemorativa do 25º aniversário do notável livro Cataláxia, da autoria do meu querido amigo Pedro Arroja, que reúne crónicas que ele foi publicando nessa época, quando era um liberal convicto.
Esse livro influenciou-me na altura, apesar de eu ser já, por esses tempos, um firme liberal, graças à leitura da edição francesa, da PUF, do Law, Legislation an Liberty, de Hayek, que considero ser a obra que melhor expõe a teoria social ordinalista, não racionalista, que, em minha opinião, deve suportar qualquer abordagem liberal clássica, e por ter travado conhecimento com Orlando Vitorino, que levei, com mais alguns amigos, à defunta Universidade Livre, para o ouvirmos falar sobre uma doutrina que era, então, absolutamente desconhecida em Portugal.
O Cataláxia mantém uma impressionante frescura e actualidade, arriscando-me a dizer que nenhum liberal português o poderá ser sem a sua leitura integral. Por conseguinte, às meninas e aos meninos que por aí andam a fazer partidos liberais proponho-lhes a imediata leitura desta obra, antes de se porem a escrever manifestos, programas políticos ou o que quer que seja que lhes saia das cabecinhas. Eu mesmo irei relê-lo e fiz questão de levar comigo o meu filho Rui, que está com 16 anos, para que ele leia também o livro.
Ora, se o livro se mantém actual, sensato e verdadeiro, o que se passou com o seu autor para praticamente ter enjeitado o que de essencial ali escreveu? Foi apenas o facto de ter abandonado um ateísmo e, principalmente, um anti-clericalismo militante, que marcou alguns dos seus textos de então? Nada disso, até porque o essencial do pensamento liberal é perfeitamente transversal a quaisquer convicções religiosas ou mesmo à ausência de qualquer uma delas. Foi ter passado a acreditar nas virtudes do intervencionismo estatal, contra o primado da iniciativa privada? Também não me parece.
O motivo principal da rejeição arrojiana do liberalismo, que brilhantemente defendeu durante anos, foi outro: a adopção de Portugal como paradigma existencial, recusando, consequentemente, uma doutrina que o Pedro considerava de importação. Na verdade, quando o autor do Cataláxia escreveu os textos que compilou nessa obra, tinha acabado de regressar de uma longa estada de oito anos num país económica e politicamente civilizado - o Canadá - para um país que, sendo o seu, se encontrava num momento horroroso, que ele naturalmente rejeitou. O liberalismo que, nessa altura, o Pedro defendeu foi, por isso, a consequência inevitável de uma comparação. Só que, há medida que o Pedro se foi integrando nesse país que é o seu, ele foi entendendo que, apesar das muitas desgraças que nos atingiam, Portugal é um país extraordinário, onde se pode ser feliz sem pedir muito. A partir daí, o Pedro Arroja procurou uma doutrina de liberdade que fosse eminentemente nacional e virou costas a um pensamento liberal que ele considera, com razão, estrangeirado, como ele mesmo era por essa altura.
O problema é que, por muito que tenha procurado, não encontrou, na História e no pensamento político e filosófico nacional, nada que verdadeiramente mereça muito mais do que simples menções de pé de página de referências a doutrinas e a autores estrangeiros. Existe um pensamento social e político verdadeiramente português? A resposta, para mim que também pairo por essas águas, é claramente negativa. Herculano não foi mais do que um seguidor de Tocqueville na sua crítica ao centralismo francês, e o seu liberalismo admirava o modelo de vida da Inglaterra. Os homens de 1820, por sua vez, seguiram, quase todos sem excepção, a cartilha francesa do racionalismo cartesiano e do Abade de Sieyès. Fernando Pessoa foi um pensador espasmódico, que tanto abraçou o liberalismo saxónico, como o construtivismo republicano e o delírio esotérico sebastianista. No século XX, não se produziu praticamente uma única linha de pensamento político português original. E, naquele em que nos encontramos, as coisas são ainda piores.
O que ficou então, ao fim de vinte e cinco anos? A inexistência de uma filosofia portuguesa que seja merecedora do país notável que somos, apesar da fragilidade social em que continuamos a viver. Desse ponto de vista, no Cataláxia, do Pedro Arroja, continuamos a encontrar, ainda que vindas de fora, um conjunto de ideias que nunca soubemos produzir e nos podem ser, ainda hoje, de grande utilidade. À falta de melhor, regressemos, então, a elas.

3 comentários:

Vivendi disse...

"para o ouvirmos falar sobre uma doutrina que era, então, absolutamente desconhecida em Portugal."

http://o-tradicionalista.blogspot.pt/2015/04/discussoes-serias-na-assembleia-da.html

rui a. disse...

Sim, mas absolutamente ocasional. Aliás, obras publicadas em Portugal do próprio MIses, citado pelo orador, só uma, o Intervencionismo, no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, tradução e prefácio do Prof. Teixeira Ribeiro. Isto, na década de 30. Depois disso... népias, até aos anos 70, já depois deo 25-A, com a publicação de O Caminho para a Servidão, do Hayek.

Vivendi disse...

Hayek escreveu a Salazar.
Dos 30 aos 70 não andamos no caminho para a servidão estimado Rui.

Louçã a espumar:

https://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/2014/09/02/tao-liberal-e-tao-amigo-de-salazar/