Mas então, não se deve pensar no mal?
Deve, mas só de forma excepcional e quando ele vem ter connosco.
Porque o mal é excepcional, o bem é que é a regra. A vida contém muito mais bem do que mal.
Como é que eu sei? Porque eu próprio quero viver e não conheço ninguém que não queira (os suicídios são acontecimentos excepcionais).
Eu gostaria a este propósito de contar um diálogo ocasional que há uns meses mantive com a minha neta F. Eu peço desculpa de só contar histórias passadas com a F., quando na realidade, tenho mais netos. Acontece, porém, que o T. que fez dois anos em Julho, diz umas palavras, mas ainda não fala fluentemente. E a C. está ao mesmo nível do primo, embora seja sete meses mais nova (confirmando que, quando se trata de dar à língua, as mulheres são muito mais expeditas do que os homens).
Quanto ao T. existe evidência científica, que não me custa nada a aceitar (cf. post seguinte), que sugere que a fala tardia está relacionada com os níveis de testosterona. Quando maiores os níveis de testosterona, mais tardia é a fala na criança. De maneira que eu desconfio, nesta altura, que vai sair dali um grande machão que ninguém vai conseguir segurar, muito mais do que um grande palrador.
Volto à F. O diálogo é resumido, omitindo muitos detalhes, alguns dos quais encantadores e meritórios de reflexão.
-Avô, tu só tiveste irmãos?
-Sim, eu só tive irmãos. Lá em minha casa, quando eu era pequenino como tu, só havia meninos, quatro meninos, não havia meninas...
-(Silêncio, sorriso nos lábios, olhos muito abertos e expectativa)
-E eu fiquei sempre muito triste, porque eu gosto muito de meninas e não tinha meninas lá na minha casa ... só tinha meninos...
-E quando eu nasci?
-Quando tu nasceste? ... Isso é que eu fiquei feliz ... finalmente tinha uma menina ... eu que nunca tinha tido uma menina ... Até fiz uma festa, convidei os amigos todos, e não foi uma festa pequenina, foi um festão...
-Eu sou a tua primeira menina?
-Tu és a minha primeira menina ... a minha primeira neta...
(Aqui, eu estava a faltar um pouco à verdade, as primeiras meninas na minha vida foram as minhas filhas. Mas ela não deu por isso, e eu deixei continuar assim).
-E agora até tenho duas meninas, tu e a C. E também tenho um menino, o T. Estou muito feliz porque agora tenho meninas ...
Ela continuava a olhar para mim encantada com a minha própria felicidade. Foi então que eu decidi divagar:
-Agora, quando tu e a C. crescerem é que eu vou ficar muito triste outra vez ... fico outra vez sem meninas ...
(e fiz um ar muito triste e abatido)
Fez-se, então, um silêncio e foi a F. a quebrá-lo, para me dizer:
-Avô, eu dou-te meninas ... e meninos...
Eu mudei radicalmente de expressão, abri os olhos e os braços a toda a largura, para lhe perguntar espantado:
-Tu vais-me dar meninas ... e meninos...?
-Vou...
-Ah ... se é assim... se tu me vais dar meninas, e também meninos, então já estou feliz outra vez...
E fechei os meus braços no corpo dela.
Existem dois aspectos salientes nesta conversa de uma criança de quatro anos, e ambos estão concentrados no bem. O primeiro é a grande convicção com que ela exprimiu esse grande poder que já existe nela em potência, e que é o de dar à luz. O segundo foi ainda mais desconcertante para mim. É que ela se dispõe a usar esse grande poder como uma dádiva, para me gratificar, para fazer feliz o avô.
Eu só muito recentemente compreendi por que é que Cristo se referia tantas vezes às crianças e as apontava como exemplo. É que Deus, o bem, exprime-se através das pessoas, e também dos outros elementos da natureza. Mas Deus exprime-se, em primeiro lugar, através das crianças.
3 comentários:
"Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas.". Lucas 18:16
Entretanto vai crescer e tomar juízo. Só se não tomasse juízo é que decidiria ter filhos para agradar a terceiros.
Cristo se referia tantas vezes às crianças
Os Hadith relatam que também Muhammad gostava muito de crianças, inclusivé brincando muito com elas.
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