08 outubro 2013

através das crianças

Mas então, não se deve pensar no mal?

Deve, mas só de forma excepcional e quando ele vem ter connosco.

Porque o mal é excepcional, o bem é que é a regra. A vida contém muito mais bem do que mal.

Como é que eu sei? Porque eu próprio quero viver e não conheço ninguém que não queira (os suicídios são acontecimentos excepcionais).

Eu gostaria a este propósito de contar um diálogo ocasional que há uns meses mantive com a minha neta F. Eu peço desculpa de só contar histórias passadas com a F., quando na realidade, tenho mais netos. Acontece, porém, que o T. que fez dois anos em Julho, diz umas palavras, mas ainda não fala fluentemente. E a C. está ao mesmo nível do primo, embora seja sete meses mais nova (confirmando que, quando se trata de dar à língua, as mulheres são muito mais expeditas do que os homens).

Quanto ao T. existe evidência científica, que não me custa nada a aceitar (cf. post seguinte), que sugere que a fala tardia está relacionada com os níveis de testosterona. Quando maiores os níveis de testosterona, mais tardia é a fala na criança. De maneira que eu desconfio, nesta altura, que vai sair dali um grande machão que ninguém vai conseguir  segurar, muito mais do que um grande palrador.

Volto à F. O diálogo é resumido, omitindo muitos detalhes, alguns dos quais encantadores e meritórios de reflexão.

-Avô, tu só tiveste irmãos?

-Sim, eu só tive irmãos. Lá em minha casa, quando eu era pequenino como tu, só havia meninos, quatro meninos, não havia meninas...

-(Silêncio, sorriso nos lábios, olhos muito abertos e expectativa)

-E eu fiquei sempre muito triste, porque eu gosto muito de meninas e não tinha meninas lá na minha casa ... só tinha meninos...

-E quando eu nasci?

-Quando tu nasceste? ... Isso é que eu fiquei feliz ... finalmente tinha uma menina ... eu que nunca tinha tido uma menina ... Até fiz uma festa, convidei os amigos todos, e não foi uma festa pequenina, foi um festão...

-Eu sou a tua primeira menina?

-Tu és a minha primeira menina ... a minha primeira neta...
(Aqui, eu estava a faltar um pouco à verdade, as primeiras meninas na minha vida foram as minhas filhas. Mas ela não deu por isso, e eu deixei continuar assim).

-E agora até tenho duas meninas, tu e a C. E também tenho um menino, o T. Estou muito feliz porque agora tenho  meninas ...

Ela continuava a olhar para mim encantada com a minha própria felicidade. Foi então que eu decidi divagar:

-Agora, quando tu e a C. crescerem é que eu vou ficar muito triste outra vez ... fico outra vez sem meninas ...
(e fiz um ar muito triste e abatido)

Fez-se, então, um  silêncio e foi a F. a quebrá-lo, para me dizer:

-Avô, eu dou-te  meninas ... e meninos...

Eu mudei radicalmente de expressão, abri os olhos e os braços a toda a largura, para lhe perguntar espantado:

-Tu vais-me dar meninas ... e meninos...?

-Vou...

-Ah ... se é assim... se tu me vais dar meninas, e também meninos, então já estou feliz outra vez...

E fechei os meus braços no corpo dela.

Existem dois aspectos salientes nesta conversa de uma criança de quatro anos, e ambos estão concentrados no bem. O primeiro é a grande convicção com que ela exprimiu esse grande poder que já existe nela em potência, e que é o de dar à luz. O segundo foi ainda mais desconcertante para mim. É que ela se dispõe a usar esse grande poder como uma dádiva, para me gratificar, para fazer feliz o avô.

Eu só muito recentemente compreendi por que é que Cristo se referia tantas vezes às crianças e as apontava como exemplo. É que Deus, o bem, exprime-se através das pessoas, e também dos outros elementos da natureza. Mas Deus exprime-se, em primeiro lugar, através das crianças.

3 comentários:

José** disse...

"Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas.". Lucas 18:16

Pedro Sá disse...

Entretanto vai crescer e tomar juízo. Só se não tomasse juízo é que decidiria ter filhos para agradar a terceiros.

Luís Lavoura disse...

Cristo se referia tantas vezes às crianças

Os Hadith relatam que também Muhammad gostava muito de crianças, inclusivé brincando muito com elas.