Nas primeiras horas após a chegada a M. estava visivelmente contraída, um sentimento que se foi desvanecendo à medida que o tempo passou. Não era caso para menos. Mal tínhamos saído do aeroporto e eu já estava a falar em católicos e protestantes, portugueses e alemães.
Apesar da sua idade a M. é muito viajada e a certa altura, e por mais do que uma vez, já tinha tocado num ponto a que eu não dei seguimento. Foi só nessa tarde, quando estávamos já a chegar a Lisboa, que eu decidi dar seguimento ao assunto que ela me queria transmitir, e a tranquilizei.
Fiquei a pensar se não teria sido explícito demais.
-Sim, V., como tu própria deves saber, os alemães não são populares em nenhuma parte do mundo, excepto na Alemanha. E mesmo aí...
Procurei compor as coisas com uma explicação para este sentimento que ela já tinha recolhido das suas viagens anteriores.
A Alemanha foi o centro da revolta protestante. Dividiu a Igreja Católica, mas depois foi vítima da sua própria medicina: as seitas luteranas dividiram-se a si próprias e guerrearam-se umas às outras.
Nos últimos cinco séculos saíram da Alemanha alguns dos maiores avanços à civilização, na tecnologia, na ciência, na arte, na filosofia (aqui, eu pus todas as reticências). Mas a verdade, também, é que as grandes catástrofes que a humanidade experimentou neste período, e que foram as maiores catástrofes de sempre, tiveram origem na Alemanha - as três guerras mundiais, de que a Guerra dos Trinta Anos foi a primeira.
Por isso, os alemães são vistos pelos outros com um misto de admiração e de apreensão - o que é que pode vir dali? Pode vir o melhor e o pior, o mais fino talento literário ou musical, ou a maior brutalidade.
Mas que não se preocupasse com isso em Portugal. Os portugueses adoram estrangeiros. Muito mais do que a eles próprios.
1 comentário:
Nem lhe cheiras a coninha.
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