30 setembro 2013

Crime e castigo

Rui A., pode explicar-me como depois de tantas interpelações e de ler a Ética da Liberdade, que é especialmente duro na análise de crimes consegue sugerir que o pensamento libertário defende o simples ostracismo contra crimes contra a propriedade ou vida, como o faz neste comentário:

"Por outro lado, tem vc. toda a razão quando afirma que eu acho que o ostracismo não é suficiente para impedir que pessoas de má índole, ou de insuficiente formação moral, pratiquem actos ilícitos e ponham em causa a vida e a propriedade das pessoas. Vc. acha que um ladrão, um psicopata homicida ou um crápula ficariam muito incomodados por estarem ostracizados de determinados ambientes sociais e que isso seria suficiente para dar segurança às pessoas e às suas propriedades? Está certamente a brincar, não está?"

Vamos lá pegar num trecho de Rothbard, desconfio que agora vêm aqui defender que o castigo é demasiado...

"Se então a proporcionalidade determina o limite máximo da punição, como podemos estabelecer esta proporcionalidade?  O primeiro ponto é que, em se tratando de punição, não deve ser enfatizado o pagamento de um débito à "sociedade", seja lá o que isso queira dizer, mas o pagamento de um "débito" à vítima.  Certamente, a parte inicial deste débito é a restituição.  Isto funciona nitidamente em casos de roubo.  Se Aroubou $15.000 de B, então a primeira parte, ou a parte inicial, da punição de A deve ser devolver aqueles $15.000 para as mãos de B (mais danos, custos policiais e judiciais e juros perdidos).   Suponha que, como na maioria dos casos, o ladrão já tenha gasto o dinheiro.  Neste caso, o primeiro passo da punição libertária apropriada é obrigar o ladrão a trabalhar e a atribuir o subsequente rendimento à vítima até que ela tenha sido indenizada.  A situação ideal, então, coloca o criminoso abertamente em um estado de escravidão perante sua vítima, permanecendo nesta condição de escravidão justa até que tenha reparado integralmente o mal que causou.[2]

Temos que observar que a ênfase dada à restituição punitiva é diametralmente oposta à punição praticada atualmente.  O que acontece hoje em dia é o absurdo seguinte: A rouba $15.000 de B.  O governo persegue, leva a juízo e condena A, tudo às custas de B, que é um dos muitos pagadores de impostos vitimados neste processo.  Então, o governo, ao invés de obrigar A a indenizar B ou a executar trabalhos forçados até que este débito esteja pago, obriga B, a vítima, a pagar impostos para sustentar o criminoso na prisão por dez ou vinte anos.  Onde é que está a justiça nisso?  A vítima não apenas perde seu dinheiro, mas paga ainda mais dinheiro para ter a emoção duvidosa de perseguir, condenar e então sustentar o criminoso; e o criminoso ainda fica escravizado, mas não com o justo propósito de recompensar sua vítima.

A ideia de priorizar a restituição à vítima tem grande precedente no direito; na verdade, ela é um antigo princípio de lei que vem se enfraquecendo à medida que o estado aumenta e monopoliza as instituições da justiça.  Na Irlanda medieval, por exemplo, um rei não era o chefe do estado, ele era um segurador de crimes; se alguém cometesse um crime, a primeira coisa que acontecia era o rei pagar o "seguro" para a vítima, e então se prosseguia para forçar o criminoso a pagar de volta ao rei (sendo a restituição à companhia de seguros da vítima completamente derivada da ideia de restituição à vítima).  Em muitas partes da América colonial, que eram muito pobres para propiciar a duvidosa vida luxuosa das prisões, os tribunais condenavam os ladrões a trabalhos forçados em benefício de suas vítimas, até que seu "débito" tivesse sido pago.  Isto não quer necessariamente dizer que as prisões iriam desaparecer em uma sociedade libertária, porém elas indubitavelmente iriam mudar drasticamente, já que o principal objetivo delas seria forçar os criminosos a prover restituição às suas vítimas.[3]

De fato, na Idade Média, em geral, a restituição à vitima era o conceito dominante de punição; somente ao passo que o estado foi se tornando mais poderoso é que as autoridades governamentais invadiram cada vez mais o processo de reparação, confiscando progressivamente uma proporção maior da propriedade do criminoso para eles mesmos e deixando cada vez menos para a desafortunada vítima.  Na verdade, ao passo que a ênfase transferiu-se da restituição à vítima, da compensação da vítima pelo criminoso, para a punição por supostos crimes cometidos "contra o estado", as punições exigidas pelo estado tornaram-se mais e mais severas."

7 comentários:

rui a. disse...

Carlos Novais,

Vc. continua incapaz de distinguir "lei" de "direito", e presume que este é sempre resultado da actividade soberana do legislador. Enquanto isto não for entendido, vc. não conseguirá manter aqui uma conversa consequente. No caso deste seu post, vc. limita-se a referir o que lhe pareceria justo como medida punitiva de um acto criminoso: o princípio da retaliação do mal equivalente, ou a célebre Lei de Talião, coisa antiga, como sabe.

A questão a que vc. não responde é quem define o que é crime. Ou seja, como e de onde resultam as normas que tipificam um acto, ou um conjunto de actos, como criminosos, dando origem a esse tal princípio de retaliação a que se refere. E já nem falo, como é evidente, porque vc. não parece estar preocupado com isso, do problema da execução das penas. Acha que deviam ficar a cargo do próprio, de agências de capangas que andassem por aí a dar porrada, de amigos e familiares da vítima?

por último, diga-me lá que destino dá a quem comete abortos e às clínicas abertas para o fazer? Condena o pessoal ao "ostracismo"?

CN disse...

Quem define o que é crime não deve ser a vontade geral, isso tenho como certo. Um autocrata também não. Por isso só a ciência jurídica como processo de descoberta o deve fazer. Não que a aplicação concreta não possa sofrer de particularidades culturais. Mas o edifício de princípios gerais seguramente deve partir desse processo de descoberta.

CN disse...

Quanto ao aborto já o disse várias vezes: eu creio que o ponto 3) é o consistente com o catolicismo. O facto de deixar de ser crime pelo legislador não devia impedir de a nível local ser proibida a sua prática por lógica de regulação/licenciamento.

Adicionalmente em caso algum devia ser objecto de subsídio. E adicionalmente todo o tipo de ostracismo social deve poder ser exercido por quem o entender.

Dado o presente estado de coisas, votaria pela situação anterior, a criminalização.

CN disse...

Rui, eu sou muito objectivo e preciso nas minhas respostas. Não se pode dizer o mesmo da sua.

Reparou como agora já estar que a punição é demasiada?

CN disse...

"Ou seja, como e de onde resultam as normas que tipificam um acto, ou um conjunto de actos, como criminosos, dando origem a esse tal princípio de retaliação a que se refere"

Carambas, mas não é sido que está feito no Ética da Liberdade e mais toda a teoria de direito analisada por juristas libertarians, que já é muita?

CN disse...

Mais a vez, detecto o argumento do presente. Se o presente está assim, ainda que notoriamente tenha sido o estado, o poder, a lógica do direito positivo, tenha usurpado o primado da restituição em favor da lógica da supremacia do poder,.... Pronto, deve estar bem. Se aconteceu... É porque tinha de acontecer. Nem sei como não aplicar o raciocínio ao totalitarismo. Se aconteceu... Tinha de acontecer...

CN disse...

"já nem falo, como é evidente, porque vc. não parece estar preocupado com isso, do problema da execução das penas"

Esta é fácil. O mais certo seriam as seguradoras terem intervenção primordial numa situação snáloga apontada na Irlanda (1000 anos) e na Islândia, e como de resto, mas rekações feudais mais puras se passava em parte.

Mas mesmo no estado moderno em parte já temos a arbitragem civil para este tipo de litígio. A parte penal, se fir ckara, terua aplicação fácil.

Se a restituição voltasse a ser o objectivo primeiro, em vez dio estado o usurpar rpe impedir, a justiça seria certamente oerceocionada como ... Justa em vez da descredibilização a que está sujeita.