22 novembro 2012

I would be dead now

Do meu amigo e colega, Dr. Carlos Costa Almeida, Prof. da Faculdade de Medicina de Coimbra, Chefe de Serviço de Cirurgia, , recebi este testemunho, que não resisto a dar a conhecer neste nosso Blog.

                                            I WOULD BE DEAD NOW
                                                                                                    Carlos Costa Almeida

JS, sexo masculino, raça caucasiana, de 66 anos de  idade, cidadão
britânico a viver em Portugal há cinco anos, nascido e anteriormente residente
em Inglaterra, teve um acidente vascular cerebral.  Foi atendido no local e
transportado de imediato pelo INEM para o Serviço de Urgência do Hospital dos
Covões, em Coimbra (agora integrado no CHUC), hospital central de referência
da sua área de residência. Deu entrada seguindo a Via Verde dos AVCs, foi
observado, tratado, internado, evoluiu bem, teve alta. No estudo da circulação
carótido-vertebral feito por ecodoppler foi detectada uma estenose significativa
da carótida esquerda, que a angioTAC confirmou com  indicação para
intervenção, na sequência dum acidente vascular a que se atribuiu natureza
isquémica. Por isso foi enviado à minha consulta.
Veio com a esposa, ambos simpáticos, cultos, educados, britânicamente
contidos, falando em inglês entremeado ocasionalmente com algumas palavras,
muito poucas, em português com um sotaque típico. Disse-lhe que precisava de
ser operado, e perguntei-lhe se para isso não preferiria ir a Inglaterra.
Respondeu-me, naturalmente em inglês: “Doutor, eu tive um AVC e ao fim de
meia hora estava a ser tratado – tratado, veja bem – neste hospital. No meu país
isso não seria possível! Por isso é aqui que quero continuar a ser tratado. É neste
hospital que eu quero ser operado.” 
E foi. Fez-se-lhe endarterectomia carotídea esquerda, sem intercorrências
ou complicações, esteve internado quatro dias. Voltou passado um mês, em
consulta de controlo pós-operatório. Sempre acompanhado pela esposa, sem
sequelas evidentes de AVC, bem dispostos os dois. Exibe a cicatriz cervical, “You
did a great job here” - afirma. Prescrevo o clopidogrel, conversamos, conversa
rápida de consultório, o tempo (claro, ou não fosse ele inglês!), a política
europeia, a crise, o euro. Levantamo-nos, depois de me despedir da esposa
estendo-lhe a mão. Aperta-ma com a sua e diz, com alguma tremura no porte
fleumaticamente britânico: “You know, if I lived in my country I would be dead
now. Portugal saved my life. Obrigado.”
Podem crer que no momento fiquei emocionado. Disfarcei o melhor que
pude, acompanhei-os à porta do gabinete. É destes momentos – pessoais, como
este, ou apenas conhecidos através de outros - que se constrói o enorme prazer
de ter a nossa profissão. Basta o sentimento íntimo de ter feito um bom trabalho,
e que acabou bem, frequentemente reconhecido por colegas e, às vezes, se calhar
não muitas, pelos doentes.  Mas este caso teve um sabor muito especial, porque
foi a opinião de um paciente estrangeiro esclarecido, que não fala por ouvir dizer,
com possibilidade de estabelecer comparações e de escolher, e que deu
fortemente preferência ao nosso Serviço Nacional de Saúde e aos nossos
hospitais.
Um SNS sob ataque de há vários anos para cá, em processo de
descaracterização, de restruturação que parece uma  desestruturação, de
redução, e eliminação. Um SNS que trabalhava bem.
Aquele doente inglês, ao pôr frontalmente em causa o National Health Service, fala obviamente do NHS de agora, depois da governação da Mrs. Thatcher. Depois das restruturações, descaracterizações, fusões e eliminações que sofreu, muito na senda do que tem  a ser feito por cá. Não do NHS que serviu de exemplo ao Mundo, e até deu o nome ao nosso. É claro que o nome manteve-se, o serviço também, mas não são
nada do que eram, e os doentes sabem disso. Continua a haver grandes médicos
e óptimas instituições médicas na Grã-Bretanha, mas já não são o NHS que
costumava ser. E todo o esquema de assistência se ressentiu disso, agora que nos
Serviços médicos dos hospitais públicos por lá há pessoal administrativo que
toma parte em decisões que deveriam ser puramente clínicas. A minha emoção
ao ouvir o desabafo do paciente inglês tratado em Portugal, deveu-se também à
pena de termos entre nós algo de bom durante tanto tempo e os nossos doentes
tantas vezes não o apreciarem devidamente, e estarmos se calhar a resvalar no
sentido de o perder.
Mudar por mudar, não. Em equipa que ganha não se mexe, diz o povo e o
bom senso. Em momentos de crise há frequentemente a fraqueza, por parte dos
dirigentes menos esclarecidos, de mudar para ver o  que é que dá, sem o
discernimento de atender ao que está bem e assim o manter. É claro que mais
tarde ou mais cedo virá a exigência de responsabilidades, e a exposição pública
do mal que foi feito e de quem o fez, mas em geral tarde demais para o corrigir. E
Portugal não pode dar-se ao luxo de deixar destruir o pouco que dentro de si
funciona bem. A Saúde é um exemplo disso, e um exemplo para o estrangeiro, e
matéria em que não se deve querer copiar o que vem de fora. 

15 comentários:

Anónimo disse...

Em termos simples: aldrabão!

fec disse...

O Dr Paulo Mendo tem toda a razão.

Mas deixe-me fazer o papel de advogado do diabo.

Cuba também tem um SNS fabuloso, e uma data de coisas gratuitas.

E depois, como não há almoços grátis (embora eu discorde desta afirmação porque sou cristão), tem um nível de rendimento médio baixissimo (muito, muito pobre pelos critérios ocidentais).

Cada país aloca os recursos de maneira soberana. E eu concordo com a alocação de recursos feitos por Cuba e à alocação de recursos aqui defendida pelo Dr Paulo Mendo (já o trato com respeitinho - Dr. - porque defende o mesmo que eu).

Mas, acha que a generalidade da população está pronta para assumir a pobreza generalizado que implica uma saúde óptima e gratuita e mais uma data de serviços públicos óptimos e gratuitos?

Eu permito-me dar-lhe a resposta: não. Vai imeditamente votar no partido mais ultraliberal que lhe prometa o crescimento económico e um um bom nível de consumo individual.

zazie disse...

Cuba+ faroleiro+ Paulo Mendo em comum?

Ainda não li o post mas não há-de ser bom sinal

":O)))

Logo verifico.

zazie disse...

Já li.

De acordo com a ideia principal do post:

"Mudar por mudar, não. Em equipa que ganha não se mexe, diz o povo e o
bom senso".

Quanto ao NHS já foi excelente.

Deixou de ser, como muita outra coisa em Inglaterra- chama-se problema da imigração.

O nosso sistema de saúde antes do 25 de Abril não era terceiro-mundista. Isso também é exagero e mentira.

zazie disse...

Engraçado como a ideia é do mais inteligentemente conservadora.

E engraçado também como estou à vontade para comentar pois nem me lembrava de qualquer Paulo Mendo no governo.

Deve ter sido no tempo em que vivi na Idade Média.

Passou-me ao lado.
Mas, pensando assim, agora é que fazia jeito estar lá mais acima (penso eu, que continuo a zero e a comentar o mesmo que tivesse sido escrito por um nick name qualquer).

BLUESMILE disse...

Vou partilhar o texto.O relato da realidade que querem destruir.

BLUESMILE disse...

Não é por acaso que o NHS está a contratar resmas e resmas de profissionais portugueses....

Anónimo disse...

Caro Dr. Paulo Mendo,

Esse homem inglês seria sempre bem tratado em Portugal, com SNS ou sem SNS. É a ligação de uma coisa à outra que me parece abusiva, e nem sequer atribuo intenções demagógicas ao autor porque, ao ler o texto, eu sinto que ele não tem essa sofisticação.

Qualquer português seria salvo nessas circunstâncias, com SNS ou sem SNS.

E, então, sendo inglês, nós todos portugueses, médicos e não médicos, estaríamos prontos a morrer, nem que fosse só para salvar o inglês.

É uma questão de cultura. Não tem nada que ver com SNS, ou ausência dele.
Abraço.
PA

BLUESMILE disse...

Ainda gostava de saber como é que qualquer português seria salvo nessas circunstâncias sem SNS.

Só se fosse por milagre da santa.

Alexandre Carvalho da Silveira disse...

Esta história é de fazer chorar as pedras da calçada, e encher-nos a todos de orgulho pelo SNS que temos, e de que eu, e infelizmente para mim, dou testemunho pessoal.
O Prof Costa Almeida ficou naturalmente feliz, porque um estrangeiro, e ainda por cima ingles, preferiu ser tratado em Portugal, e não no país dele, e eu não tenho dificuldade em dar-lhe razão no que ele diz na defesa do SNS que temos. Mas o Professor só falou de uma parte da história, e a questão principal é se os portugueses estão dispostos a pagá-lo com os seus impostos, porque um serviço publico desta natureza não pode viver com defices estruturais de vários milhares de milhões de euros todos os anos. Porque como temos assistido abundandemente de há uns meses para cá, toda a gente quer saude, educação, justiça, de primeira qualidade, e reformas decentes, mas ninguem quer pagar. Como o Sr Dr Paulo Mendo, e o seu amigo Prof Costa Almeida bem sabem, não é possivel ter "sol na eira, e chuva no nabal". Bons serviços publicos só com um alto nivel de impostos.

muja disse...

É pá, hão-de desculpar a minha ignorância. Mas estão a dizer com isto, que se eu tiver um AVC no Reino Unido e ligarem para o número de emergência, ninguém me manda uma ambulância que me leve ao hospital, e em lá changando ninguém me trata??

É isso?

zazie disse...

Olha, também não faço ideia e parece-me exagero.

Por coisa menor é verdade. Se for para o Hospital passa lá noite e nem é atendido porque só estão as call centers.

Se for em horário diurno e coisa básica vai-se ao Centro de Saúde e atendem rápido. Umas vezes para nada, outras até com médicos bons.

Mas o problema é mesmo o que aqui foi diagnosticado. A Inglaterra tinha o melhor sistema de saúde do mundo.

Foi espatifado como PM disse- pela Tatcher, depois pela burocracia e agora pela loucura da imigração que está a espatifar tudo o resto.

Filipe Silva disse...

A Inglaterra já está num período decadente, uma sombra do que em tempos foi.

Em relação ao SNS tendo um irmão a trabalhar nele como médico, como ele diz há de tudo, desde o melhor do mundo ao pior.

O Inglês teve sorte, outro dia noutro local e já teria outra opinião.

Conheço mais que um caso de médicos portugueses que levam familiares ao estrangeiro para serem tratados dado que aqui não se safam.

Em relação ao guitto, coisa que está em short supply por estas terras, a realidade é que durante 10anos o SNS teve em média um deficit de 10% ao ano, e acumulou uma divida de 3mil milhões,
O serviço pode ser bom mas tem um preço que os portugueses não tem capacidade para pagar.
OS médicos gostam muito deste tipo de história apelar há emoção assim conseguem reforçar no cidadão comum a ideia que são mais que os outros.

Este médico esquece-se que quem lhe paga o salário a peso de ouro é o sector privado da economia e quanto mais fraco e menor capacidade tiver menos estes puderam sacar.

No SNS pelas histórias que ouço contar de vários profissionais que conheço pessoalmente, muita roubalheira se passa.

jbp disse...

Sorte a dele.
Se tivesse caído nas mãos dum oftalmologista português estava fodido.
Há 30 anos ficaram a olhar para uma catarata qual burro a observar o palácio.

Anónimo disse...

Mas afinal de qual dos SNS fala? O do cidadão comum ou a ADSE dos funcionários públicos?
Qual deles é melhor e qual tem melhor relação qualidade/preço?

xyz