10 setembro 2012

Que par

Normalmente, quando os casamentos correm mal, quem sai de casa são os homens, as mulheres ficam. Nestas situações, os homens queixam-se frequentemente de "tortura psicológica". A decisão do BCE tomada a semana passada aumentou seriamente a probabilidade de o primeiro país a saír do Euro ser a Alemanha, um país de cultura masculina (protestante), e não a Grécia, Portugal, a Espanha ou a Itália, que são países de cultura feminina.

Na altura da sua fundação, o BCE foi a a única instituição europeia cuja sede os alemães fizeram questão que ficasse no seu país. E assim aconteceu - Frankfurt. Exigiram mais, que fossem eles a designar o Presidente do BCE, e só os franceses lhes conseguiram fazer frente e conquistar uma concessão. A designação seria alternadamente feita por alemães e franceses. E assim aconteceu nos dois primeiros mandatos, primeiro um holandês por designação alemã, e, a seguir, um francês por designação francesa.

A ideia alemã era bem clara. Os alemães queriam um BCE bem gerido, à semelhança do Bundesbank, e um Euro forte, à semelhança do marco alemão. Aquilo que eles queriam evitar é que o BCE caísse nas mãos dos países do sul da Europa - os países católicos - com a sua conhecida indisciplina financeira, e o Euro se tornasse uma espécie de lira ou de escudo da era democrática, uma moeda fraca, sem credibilidade e em permanente desvalorização.

O maior desafio que se pode fazer à cultura católica é a exclusão porque esta é uma cultura todo-inclusiva. Aquilo que se preparou entre franceses e alemães na altura da fundação do BCE foi reservar a sua governação a uma seita de países do norte da Europa, tendo como fronteira a França, exluindo os do Sul. Os alemães não faziam questão que o Presidente do BCE fosse alemão, tanto assim que o primeiro que designaram foi holandês. Aquilo que eles queriam era que o BCE ficasse nas mãos de homens da sua confiança e da cultura protestante, que é uma cultura de responsabilidade na gestão das coisas públicas, e não caísse nas mãos de homens de cultura católica que, em democracia, é uma cultura de irresponsabilidade financeira.

Perante a exclusão, a cultura católica tem artes misteriosas para se infiltrar donde é excluída (a América que nasceu sob o signo do anti-catolicismo é um dos grandes exemplos modernos e mais importantes). E só assim se compreende que, passados doze anos apenas, o BCE tenha a Presidente um italiano e a Vice-Presidente um português. Que par mais oposto aos desígnios dos seus fundadores, e que combinação mais explosiva.

Pela decisão da semana passada, o BCE compromete-se a adquirir sem limites Títulos da Dívida Pública (TDP) dos países em dificuldades, em troca de uma vaga obrigação de estes se submeterem a medidas de austeridade. A medida destina-se, para já, à Espanha e à Itália, e não directamente a Portugal, à Grécia ou à Irlanda. Quer dizer, em lugar de o dinheiro vir a pedido como um empréstimo da Troika, como sucede nestes países, ele fluirá directamente do BCE para Espanha ou a Itália sem qualquer pedido e sem Troika a intermediá-lo e a impôr medidas de austeridade, em troca de papel (TDP) e de uma vaga promessa de que os países visados adoptarão voluntariamente certas medidas de austeridade.

Esta medida é potencialmente inflacionista porque aumenta a quantidade de euros em circulação, e isso normalmente põe os alemães em pânico. Para os tranquilizar, o BCE compromete-se a esterilizar estas operações, vendendo outros activos que tenha em carteira, desta forma reduzindo a quantidade de euros em circulação por igual montante.

Mas, é claro, que a promessa de esterilização não convenceu os alemães, e a medida foi aprovada com o voto contra do representante do Bundesbank no BCE. Mas que activos é que o BCE vai vender? Evidentemente que os que estão mesmo ali à mão são os TDP dos países solventes, com a Alemanha em primeiro lugar. Não apenas isto contribuirá para aumentar as taxas de juro na Alemanha (a venda de TDP alemães, fazendo baixar o seu preço, aumenta o yield ou taxa de juro ímplicita nos Títulos) e porá assim, indirectamente, a Alemanha a pagar a indisciplina financeira dos países do Sul, como enfraquecerá o Euro, provavelmente de uma forma que será drástica e definitiva.

A emissão monetária, a quantidade de euros em circulação, constitui o passivo do BCE. A credibilidade deste passivo, e portanto do Euro,  é garantida pelos activos que o BCE dispõe. Ora, no final deste processo, os activos do BCE serão predominantemente constituídos por TDP dos países insolventes, isto é, lixo financeiro. A emissão de Euros passa a estar garantida, na sua maior parte, por lixo. O Euro tornar-se-à uma espécie de lira ou de escudo da era democrática. Exactamente o contrário, daquilo que os alemães sempre desejaram. Será o momento para os alemães regressarem ao marco, levando atrás de si os países do Norte da Europa, enquanto os países católicos ficam com aquilo a que já estão habituados e de que neste momento precisam desesperadamente - uma moeda fraca e que desvalorize, reflectindo a mais baixa produtividade destes países. Que ela se chame euro, isso é o menos importante. 

23 comentários:

Anónimo disse...

Analise Correcta.
Será a Alemanha a sair do euro.
Já há cerca de 2 anos fiz aqui esse comentário. Nenhum economista ou investidor a nível mundial colocava esse cenário em 2010.
Na altura o próprio Professor Arroja afirmava que a Alemanha teria muito a perder se deixasse o euro.

D. Costa

Anónimo disse...

É verdade. Sou testemunha. O D. costa, além de defender a venda dos Acores, defendia que seria a alemanha a sair d euro.
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E tambem tinha razao o PA, porque a alemanha se fizer vai perder e nao é pouco.
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Rb

Vivendi disse...

Uma boa análise do problema.
A situação está cada vez mais delicada.
Procura-se que não aja desvio comportamental entre o norte e o sul mas a fratura está cada vez mais evidente e exposta.
Os próximos movimentos a levar em conta são:
-aguardar pelo o que vai dizer o tribunal constitucional alemão
- as eleições holandesas.

Anónimo disse...

Pois, oh Vivendi, mas se eu estiver sempre à espera dos outros paa decidir a minha vida estou tramado. Um tipo tem que ter iniciativa e bom senso nos passos que toma, mas nao pode ficar à esoera que sejam os outros a dizer o que podemos fazer. É o tribunal dos boches, é eleicinhas na holanda, é a recandidatua de berlisconi na italia, é eleicoes na alemanha... Enfim, isto nao pára, nem parará. Temos que deixar de ser passivos, gayzolas enfim, umas Marias à espera das outras.
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O Soros tem razao no artigo hoje publicado no Negocios. Ou a alemanha cede ou sai do euro. E se ela nao sair, porque acha que tem muito a perder, devem sair os os outros todos... E retomar o controlo de capitais e pautas aduemeiras.
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Rb
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Anónimo disse...

Que seja o homem ou a mulher a sair de casa não me parece a questão crucial.
Gostaria de ouvir a opinião do PA (Professor Arroja) sobre a posterior "partilha de bens" entre o casal numa cultura católica.
Resumindo a questão: Quem fica com os tarecos e as pratas lá da casa??
(...)

D. Costa

Anónimo disse...

Desde já deixo a minha opinião sobre a dita partilha:

Em breve os governantes irão começar a legislar sobre o mercado do ouro...
criando restrições ao mesmo.
Dentro de 6 meses? 1 ano? 2 anos ou mais?
Ainda não tenho a resposta definitiva sobre os prazos.
Mas veremos novidades sobre isso em breve.

D. Costa

Ricciardi disse...

Pois, quem fica com os tarecos. Os casais parece que, muitas vezes resokvem a coisa de forma litigiosa, nos tribunais. Ente paises a historia vem demonstrando que essas questoes sao resolvidas com a guerra.
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Legislar sobre o ouro. É bem provavel. Nos EUA ja se fez isso. Pior. Já se criminalizou quem nao entegasse o seu ouro ao estado. E nao foi ha muito tempo. Com o Roosevelt, suponho. A entrega do ouro era obrigatoria e recebiam em troca um maco de papeis - o dolar - que desvalorizou 40% de supeton.
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Rb
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Vivendi disse...

Ricciardi,

Infelizmente Portugal colocou-se numa situação de pedinte e de dependência face ao exterior. Só nos resta acompanhar o evoluir da crise do €.
A Espanha e a Itália é que já podem assumir outra tipo de postura pelo seu peso.
Mas a situação é muito delicada para todos, uma bomba relógio...

Ricciardi disse...

Sim, mas dependencia nao significa anuencia a tudo, em abdicar de certas e detrminadas coisas. A dignidade por exemplo.
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Imagine agora que tal como na Grecia, a troika pede cortes nos subsidios para sobevivencia de deficientes.
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Quer dizer, um tipo tem que avaliar se o qe nos pedem tem valor, se tem lógica, se é digno e, acima de tudo, se é util para o futuro da nacao.
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Se ns pedem para que vendamos os acores ou o algarve, nao podemos aceitar.
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Em suma, eu avalio o que exigem nao pelo grau de dificuldade da coisa mas pelas intencoes subjacentes. É por demais evidente que as exiencias que estao a fazer à Grecia é propositadamente para a arrebentar de vez com o pais e forca-los a sair. Só falta mesmo fazer um desenho.
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Ora, nestas circunstancias, aonde se intui intencoes experimentalistas e separatistas na troika, o mais natural seria um protesto veemente. Afinal de contas somos accionistas do fmi. Sempre pagamos as nossas dividas e estao a tratar-nos como se tratam os caloteiros. Ora caloteirs foram outros, nao nós. Naopode ser assim. Os alemaes foram caloteiros, nao pagaram, nao fomos nós. Nao estamos em divida com ninguem. Nem estariamos se nao estivessemos no Euro. Alias nem teriamos ma divida com esta dimensao.
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Rb

Ricciardi disse...

Conseuqnetemente, como num casal, se a mulher ( a alemanha) se poe com desconfiancas para com o homem ( porugal), este nao pode aguentar muto tempo. Farta-se que a mulher lhe dê cabo da cabeca todos dias. E mais as exigencias comportamentais.
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O mais provavel é que o homem ( Portugal) comece por arranjar uma amante.... E depois saia de casa. Para comecar rejeitamos a mulher ( a alemanha) nas privatizacoes. As nossa amantes foram os arabes e os chineses... E vao ser os brasileiros e os angolanos.
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Podes ficar com a casa, com o carro, com as joias, mas nao ficas coma minha dignidade.
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Rb

Vivendi disse...

Ricciardi,

Para isso precisamos de políticos astutos.

Bastaria também analisar onde foi alocada boa parte da dívida e tomar as devidas consequências.

Tudo que foi cometido por desvario ou corrupção simplesmente o povo português não deveria assumir essa dívida. Não há obrigação moral.

Quem tomou más decisões é que deve ficar com o prejuízo. (analisar o caso da Islândia.)

Mas em Portugal não se pode mexer no socialismo. Ele tem que parecer mais do que ser, é a menina dos olhos da grande maioria da sociedade inclusive de muita gente que se diz de direita.

No dia que os portugueses quiserem desmontar este socialismo falacioso a verdade financeira virá à tona...


Fernanda Viegas disse...

Aquilo que nos têm feito a nós portugueses, nunca fariam a espanhóis ou italianos, a diferença é essa. Daí a escolha criteriosa das palavras e o modus operandi. Para eles não há resgates nem troikas. O português é pobrezinho mas muito honrado. Diz umas caralhadas aos amigos, mas agacha-se à voz do dono.
Prof. mas explique lá uma coisa: afinal o que o BCE quer fazer é grosso modo o mesmo que os governos socialistas fizeram cá, ou seja, obrigaram os bancos a comprar dívida pública a rodos e depois tiveram que ir pedir lá fora para lhes emprestar (a tal racapitalização). Aquele Constâncio nunca me enganou. Levou a receita de cá e disse aos gajos: isto dá para entreter mais um tempinho e depois, quem sabe, não virá um milagre lá da nossa patrona de Fátima!

zazie disse...

Isto da dívida é um grande negócio para os onzeneiros, Fernanda.

Fernanda Viegas disse...


Pois é Zazie, porque se assim não fosse já se tinha resolvido.

Pedro Sá disse...

Temos que abandonar por uns tempos essa ideia do euro forte, que é a grande causa de a economia europeia não andar a crescer como poderia.

Ricardo Arroja disse...

"Analise Correcta.
Será a Alemanha a sair do euro.
Já há cerca de 2 anos fiz aqui esse comentário. Nenhum economista ou investidor a nível mundial colocava esse cenário em 2010.
Na altura o próprio Professor Arroja afirmava que a Alemanha teria muito a perder se deixasse o euro"

Caro D. Costa,

Verdade. Vc foi o primeiro a quem li esta tese que me convenceu a mim também. De resto, através dos meus artigos na imprensa, tenho o melhor que sei na sua disseminação junto do público em geral.

Anónimo disse...

Caro Ricardo,

Tenho imensas saudades dos seus posts neste blogue. Tenho seguido sempre com a máxima atenção todas as suas intervenções públicas, na televisão ou em artigos de opinião.
Uma pessoa boa.

A idade, a solidão, as incertezas, o mundo e esse silêncio brutal dos espaços infinitos, levam-me a acreditar apenas numa raça de seres humanos. Poucos.

Nobre simplicidade e serena
grandeza. Eis o melhor que de melhor existe entre alguns
portugueses.
O Ricardo é um dos eleitos.

D. Costa

zazie disse...

eheheh

Lá tinha de vir o D. Costa com poesia. Desta vez não alinhou o caos. Foi mais à Alphaville no silêncio dos espaços infinitos

":O))))))

Ricardo Arroja disse...

D.Costa,

Obrigado pelas suas amabilíssimas palavras.

Um abraço,
ra

Miguel disse...

Os senhores não sabem que a região mais productiva da Alemanha é precisamente a região cátolica?
O Sul, a Baviera, e o Palatinado são os baluartes da economia alemã, e as zonas com mais católicos (60-70%)

Interrogo-me também porquê que a Polónia está tão bem, tendo sido o único país que não entrou em recessão em 2009, dado que é católica?

A Austria também é católica. Como é possível não estarem já nas ruas da amargura!? Um mistério!

zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
zazie disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Miguel disse...

Enfim, típico ataque neo-liberal.

A compra da divida do BCE é a única coisa que pode salvar o Euro. Vai restaurar a confiança dos mercados e baixar as taxas de juro.

Isso é óbvia, só algum evangelista cego é que ignoraria isso num artigo.


Mercados, manadas de búfalos assustadiços.


Ah e lamento desiludi-los, mas não, a Alemanha não vai ser a primeira a deixar o euro.