Num post anterior, o Joaquim suscitou uma variedade de questões de cariz económico em relação com a gestão da água e o catolicismo. A primeira é a de que a Igreja parece ser, em princípio, contra a privatização da água.
Esta questão ilustra bem a dificuldade a que aludi no post anterior, que é a de explicar o catolicismo por argumento intelectual. Na afirmação do Joaquim pareceu-me ver um pouco de desapontamento liberal porque o liberalismo é que, por princípio, é a favor da exploração privada dos recursos naturais. Se a Igreja não é a favor da privatização da água, então é porque se inclina mais para o socialismo.
Os autores ligados à Igreja têm falado frequentemente de uma terceira via para resolver os problemas económicos e sociais, mas as dificuldades em explicar em que consiste essa terceira via - por oposição ao liberalismo e ao socialismo - são consideráveis, como procurarei demonstrar aqui. No caso dos problemas económicos, o liberalismo tem uma solução que invariavelmente assenta na iniciativa privada, ao passo que o socialismo tem uma outra que assenta na iniciativa do Estado.
Antes de explicar qual é a solução do catolicismo - a tal terceira via - é importante salientar que o liberalismo possui sempre a mesma solução quaisquer que sejam os problemas e as circunstâncias em que eles ocorram, e o socialismo também. É preciso abastecer de água uma população, ou construir uma escola num povoado? Os liberais chamam a iniciativa privada e os socialistas chamam a iniciativa do Estado.
E o catolicismo?
Por simplicidade, eu vou deslocar o problema do abastecimento de água para a construção de uma escola porque tenho no blogue material que me permite mais rapidamente despachar o argumento, permanecendo a essência do problema a mesma. Os liberais organizam um concurso e escolhem uma empresa privada para construir a escola. Os socialistas chamam o Estado. E os católicos?
É preciso dizer em primeiro lugar que, em princípio, o catolicismo não se opõe nem à solução liberal nem à solução socialista. A diferença, porém, é que o catolicismo não exclui, em princípio, nenhuma outra. Esta é uma diferença de monta, porque o liberalismo e o socialismo são mutuamente exclusivos, ao passo que o catolicismo não exclui nada, nem mesmo as soluções liberal e socialista.
Passemos agora ao segundo ponto que é o mais importante. O liberalismo propõe uma solução para construir a escola - a iniciativa privada -, e o socialismo também - a iniciativa do Estado. E o catolicismo, qual é a solução que propõe? Nenhuma em particular. E é aqui que o catolicismo parece tornar-se extremamente desapontante, especialmente para os intelectuais, e daí também a sua dificuldade em apelar aos intelectuais. É que um liberal chinês, vivendo em Pequim, sabe perfeitamente quem deve fazer a escola em Freixo de Espada à Cinta - uma empresa privada. E um socialista norueguês, vivendo em Oslo, sabe com idêntica certeza quem deve fazer a escola em Freixo de Espada à Cinta - o Estado. Um católico não tem nenhuma destas certezas, embora não exclua as respectivas soluções.
A solução católica, ao contrário das soluções liberal e socialista, é uma solução que depende crucialmente das circunstâncias. E é este circunstancialismo católico que faz a diferença em relação às outras soluções. A solução católica é aquela que melhor se adapta às circunstâncias (cultura e tradições da comunidade, seu nível de riqueza, disponibilidade de outros recursos, premência das suas necessidades, etc.) e melhor satisfaz o bem comum.
Aqui está uma solução católica à construção de uma escola em certa comunidade portuguesa, que não é coincidente nem com a solução liberal nem com a solução socialista. (Repare que eu falo numa solução católica e não na solução católica). É claro que, no caso de não haver nem trolhas nem carpinteiros na comunidade que soubessem fazer a escola, o catolicismo não se oporia a que a escola fosse encomendada a uma empresa privada, e que as pessoas se arranjassem para a pagar. E no caso de a comunidade ser muito pobre, o catolicismo certamente não se opõe a que, de uma forma subsidiária ou de última instância, seja o próprio Estado a fazê-la.
Para saber qual a solução para o problema da construção da escola que melhor se adapta às circunstâncias, servindo ao mesmo tempo o bem comum, um católico começa por ir a Freixo de Espada à Cinta inteirar-se das circunstâncias locais. Pelo contrário, um liberal envia a solução de Pequim e um socialista fá-lo de Oslo.
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