Naquele tempo, eu fiz tantas vezes aquele percurso sozinho, à noite, entre aquela rua situada na zona da Boavista e Antero de Quental, que já conhecia a distância pelo número de passos. Não estou mais recordado exactamente de quantos eram. Talvez 3243 seja o número certo.
A minha namorada tinha vindo estudar de Lisboa para o Porto, fazendo o mesmo trajecto que eu fizera dois anos antes. Tinha ficado hospedada em casa da MA, uma amiga de longa data da família. Eu, todos os dias, depois da Faculdade, acompanhava-a a casa, às vezes jantava lá. Depois, regressava sozinho para o quarto alugado onde vivia.
Uma visita regular da casa era um padre jesuíta, de nome JG, alto e boa figura, com 34 ou 35 anos, e que era também professor de filosofia num Liceu do Porto frequentado pela J, a filha mais nova da MA. O 25 de Abril tinha ocorrido há meses, estávamos no período revolucionário e, como sempre aconteceu nestas circunstâncias, o ambiente era algo anticlerical. O que é que estes três jovens de vinte anos, a J. um pouco mais nova, queriam de melhor para exprimirem os seus ideais revolucionários do que um padre ali mesmo à mão, ainda por cima jesuíta?
Durante o dia, nós já desejávamos a chegada da noite. As discussões tornaram-se regulares, e prolongaram-se por quase dois anos. À distância de quase 40 anos, eu invejo-lhe a paciência, a bondade, mas também a inteligência calma e a categoria da sua formação intelectual que, não obstante, não foram suficientes para me impedir de logo nas primeiras eleições democráticas em 1976 - a primeira e uma das raras vezes em que votei - eu ter dado o meu voto ao MDP/CDE, um partido satélite do PCP.
Como posso eu agora acreditar nesta forma de democracia, uma democracia que põe miúdos a partir dos 18 anos a votar e a determinar os destinos da comunidade? Não posso. Basta olhar para mim próprio.
Apesar daquelas discussões por vezes exaltadas, com a MA divertida a assistir, nunca nos dividimos. Pelo contrário, permanecemos uma comunidade, na realidade dali iriam nascer várias comunidades, certamente por mérito, não nosso, mas do JG e da MA. A tal ponto que a minha namorada e eu acabaríamos por pedir ao JG para ser ele a casar-nos. Quanto à MA, ela tornar-se-ia madrinha do nosso filho mais velho, e a J. madrinha da nossa filha mais nova.
E num dia de Setembro de 1976, o JG viajou expressamente do Porto para Lisboa para nos casar na Igreja de Arroios. Ofereceu-nos uma Bíblia como prenda de casamento: “Para o P. e para a L. com votos de muitas felicidades. JG”.
A minha namorada tinha vindo estudar de Lisboa para o Porto, fazendo o mesmo trajecto que eu fizera dois anos antes. Tinha ficado hospedada em casa da MA, uma amiga de longa data da família. Eu, todos os dias, depois da Faculdade, acompanhava-a a casa, às vezes jantava lá. Depois, regressava sozinho para o quarto alugado onde vivia.
Uma visita regular da casa era um padre jesuíta, de nome JG, alto e boa figura, com 34 ou 35 anos, e que era também professor de filosofia num Liceu do Porto frequentado pela J, a filha mais nova da MA. O 25 de Abril tinha ocorrido há meses, estávamos no período revolucionário e, como sempre aconteceu nestas circunstâncias, o ambiente era algo anticlerical. O que é que estes três jovens de vinte anos, a J. um pouco mais nova, queriam de melhor para exprimirem os seus ideais revolucionários do que um padre ali mesmo à mão, ainda por cima jesuíta?
Durante o dia, nós já desejávamos a chegada da noite. As discussões tornaram-se regulares, e prolongaram-se por quase dois anos. À distância de quase 40 anos, eu invejo-lhe a paciência, a bondade, mas também a inteligência calma e a categoria da sua formação intelectual que, não obstante, não foram suficientes para me impedir de logo nas primeiras eleições democráticas em 1976 - a primeira e uma das raras vezes em que votei - eu ter dado o meu voto ao MDP/CDE, um partido satélite do PCP.
Como posso eu agora acreditar nesta forma de democracia, uma democracia que põe miúdos a partir dos 18 anos a votar e a determinar os destinos da comunidade? Não posso. Basta olhar para mim próprio.
Apesar daquelas discussões por vezes exaltadas, com a MA divertida a assistir, nunca nos dividimos. Pelo contrário, permanecemos uma comunidade, na realidade dali iriam nascer várias comunidades, certamente por mérito, não nosso, mas do JG e da MA. A tal ponto que a minha namorada e eu acabaríamos por pedir ao JG para ser ele a casar-nos. Quanto à MA, ela tornar-se-ia madrinha do nosso filho mais velho, e a J. madrinha da nossa filha mais nova.
E num dia de Setembro de 1976, o JG viajou expressamente do Porto para Lisboa para nos casar na Igreja de Arroios. Ofereceu-nos uma Bíblia como prenda de casamento: “Para o P. e para a L. com votos de muitas felicidades. JG”.
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