08 fevereiro 2012

para combater o protestantismo

Eu já sabia que o JG tinha regressado ao Porto depois de mais de trinta anos a viver noutros lugares. Mas na sexta-feira, só me apercebi da razão do jantar quando, já no final, o bolo de laranja apareceu sobre mesa com duas velas que perfaziam 72, e começámos a cantar os Parabéns, eu ainda sem perceber quem fazia anos. A MA tinha decidido fazer uma surpresa ao JG e a todos os convidados, e reunir as mesmas pessoas que quase quarenta anos antes se reuniam em sua casa. Aos 78 anos de idade, e já bisavó, a capacidade da MA para fazer e manter comunidades permanecia extraordinária.
Era ajudada pelo marido, o HV que, aos 82 anos, saudável e ainda activo profissionalmente, era o maior apreciador de vinhos que eu já conheci. Naquela casa, onde desde os meus vinte anos eu jantei tantas vezes, realizava-se sempre, mais do que em qualquer outra, a profecia do Hillaire Belloc: "Wherever the Catholic sun does shine, there is always laughter and good red wine”.

Depois de piegarmos todos, cada um para seu lado, acerca da crise, eu disse que isto só tinha duas soluções, ou os alemães entravam com a massa, ou não havia Comunidade Europeia para ninguém. Eles sabem fazer Mercedes, e nós pagamos-lhos. Nós sabemos fazer Comunidades, que eles não sabem, e por isso eles têm de nos pagar - a nós, aos gregos, aos italianos e aos espanhóis.

A ideia pegou à volta da mesa, e eu senti-me confortável para avançar um pouco mais. Era uma questão cultural, que tinha um fundamento religioso. Nós nunca teríamos a produtividade dos alemães, já dera para ver. E eles sozinhos nunca saberiam fazer uma comunidade. Eles entram com a produtividade e nós com a comunidade.

O ambiente era como sempre relaxado à volta da mesa, os assuntos sérios entrecortados por piadas de vária ordem. O HV servia mais uma rodada de um vinho tinto que ele foi descortinar ao sítio mais recôndito da região do Douro. Alguém notou que ele estava muito retraído naquela noite. Ele respondeu que naquela idade tinha de ter cuidado. E acrescentou com um sorriso maroto: “Bebi tonéis de vinho ao longo da minha vida...”.

E eu, sempre que podia, lá ia avançando. Era uma questão de católicos e protestantes, e, em breve, eu estava a caracterizar a maneira alemã de pensar e de viver na figura do Kant, por vezes chamado o filósofo do protestantismo. E foi então que me me lembrei de novo que do outro lado da mesa estava o JG que fora padre jesuíta até aos quarenta e tal anos. E mais, professor de filosofia toda a vida. Ora, a Companhia de Jesus tinha sido criada em 1534 por um grupo de padres católicos em Paris, liderados por Santo Inácio de Loiola, mas de que também fazia parte o português Simão Rodrigues, precisamente para combater o protestantismo.

Raras vezes eu sentira um ambiente tão favorável para expôr um argumento que, a meu ver, explicava a crise, a austeridade presente e os dilemas da União Europeia. E, sentindo o vento pelas costas, atirei-me com toda a verve ao Kant.

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