04 fevereiro 2012

Carlos

Na teoria de Marx, o pomo da discórdia é o dinheiro, como é que se reparte o valor gerado no processo produtivo. Tendo adoptado a teoria do valor-trabalho, a sua conclusão é a de que só os operários produzem valor. Consequentemente, a outra classe - a dos capitalistas - é uma classe parasitária. Está criada a oposição na comunidade. Vai seguir-se a luta e a destruição da comunidade.
O ponto que eu quero salientar é um ponto que mencionei en passant no post anterior. É o de que no pensamento alemão, de inspiração luterana, o dinheiro é sempre o motivo que vai gerar a divisão da comunidade, a oposição e depois a luta, que acabará na sua destruição. Foi assim também que eles fizeram com a Igreja Católica no século XVI e, mais recentemente, com os judeus.
Eu gosto às vezes de imaginar como seria se o Karl Marx tivesse nascido em Viseu ou em alguma outra cidade de um país católico, com o seu fortíssimo sentimento de comunidade. Como é que as pessoas reagiriam à medida que ele fosse contando na família, e no grupo dos seus amigos, o desenvolvimento das suas ideias - ideias que acabam por pôr todos à bulha?
Estou a imaginá-lo num café em Viseu, à volta de uma mesa, um Sábado à tarde, depois de pedir desculpa aos amigos por nos últimos meses não ter aparecido por andar muito ocupado em casa a escrever um livro. E, em seguida, a expôr as suas ideias, enquanto os amigos o ouvem calados, uns de olhos abertos, outros de sobrolho franzido.
Quando termina, faz-se silêncio. Até que um dos amigos se levanta, põe-lhe o braço por cima do ombro, e resolve quebrar o silêncio. Fita-o nos olhos com um ar muito sério, fala pausada mas firmemente, parece mastigar as palavras. Diz-lhe: "Oh Carlos ... tu queres um conselho de amigo? ... Deixa-te mas é dessas merdas, pá ... e anda mas é beber um copo co'a gente".
As ideias do Marx, como as de todo o pensamento filosófico alemão desde o Kant, não tinham a mínima chance de florescer em Portugal ou em qualquer país católico. Aquilo que é curioso é que a maior parte dos marxistas que ainda restam no mundo ocidental, estão sobretudo concentrados nos países católicos. A razão é o carácter universal desta cultura. Nós temos de ter cá disso, mesmo quando isso já se tornou obsoleto no seu próprio país de origem. E, mesmo daqui por muitos séculos, quando o Marx estiver totalmente esquecido, existirá uma excepção, haverá alguém que o relembre - mas esse alguém terá, de certeza, nascido e sido criado num país de cultura católica.

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