07 fevereiro 2012

Catholicism for Dummies


Depois de ter estado ontem, uma boa parte do dia, a escrever sobre a dádiva como a forma de relacionamente económico primordial da doutrina católica, já estava na cama quando me ocorreu a dúvida: "E o roubo, que é o oposto da dádiva, o catolicismo também aceita?". Hesitei por uns momentos e concluí: "Há-de aceitar porque o catolicismo aceita tudo". E foi com este conforto no espírito que adormeci.
Esta manhã, a primeira coisa que fiz foi ir ver o Catecismo. Demorou-me um minuto a chegar ao artigo 2408, onde o a doutrina católica aceita o roubo em caso de necessidade urgente de alimentos, vestuário ou abrigo. Daqui sairia mais tarde o post anterior.
Como é que esta doutrina que permite tudo, tolera tudo, a doutrina mais livre que se possa imaginar, que consente explicitamente até os comportamentos mais extremistas - como roubar, matar, pegar em armas e fazer revoluções (desde que seja nas circunstâncias adequadas) -, como é que esta doutrina, dizia, ganhou a reputação de ser uma doutrina proibicionista? Este é o mistério que eu pretendo desvendar aqui.
Existem vários factores, e a propaganda judaica e protestante contra o catolicismo é certamente um deles. Mas existe pelo menos outro, e é sobre esse que pretendo concentrar-me neste post - a dificuldade em ensinar a doutrina católica. O catolicismo não é para broncos.
Eu imagino-me numa sala de aula de uma universidade portuguesa a ensinar a doutrina católica aos alunos do terceiro ano de Economia. O tema desse dia é o roubo como forma de relacionamento económico.
Enquanto eu falo, o ambiente da sala de aula é aquele que é próprio da nossa cultura portuguesa e católica. Há de tudo. Há estudantes muito atentos, há outros que estão a falar com o colega do lado, ainda outros concentrados a olhar para o telemóvel, dois estão literalmente a dormir, três estão escarrapachados nas carteiras com um olhar perdido e fixo no tecto, alguns estão a olhar para as pernas da colega do lado, e ainda outros chegaram atrasados e só ouviram metade da história.
Eu comecei por ensinar, citando o sétimo mandamento, que o catolicismo proíbe o roubo. Mas há excepções, e fui depois percorrer os outros artigos do Catecismo que se referem ao tema, passando pelo artigo 2408. E disse então: "O Catolicismo permite o roubo ..." e, antes que pudesse prosseguir, fiz uma pausa porque notei que aquele foi o único momento da aula em que toda a turma olhou para mim e abandonou aquilo que estava a fazer, incluindo olhar para o telemóvel, para o tecto e para as pernas da colega do lado.
"O Catolicismo permite o roubo ... em circunstâncias excepcionais, como, por exemplo, a necessidade urgente de alimentos, vestuário ou abrigo ...", mas esta segunda parte da frase já poucos ouviram, tendo voltado a concentrar-se uns nas pernas da colega, outros no telemóvel, outros ainda no tecto.
Eu estou certo que quando sairmos todos dali naquele dia, metade da turma está pronta a ir contar aos amigos que na cadeira de Teoria Económica do Catolicismo o professor ensinou que o Catolicismo permite roubar.
"A Igreja permite roubar?", pergunta um dos amigos de olhos esbugalhados, ao aluno que nesse dia chegou atrasado à aula, perdeu a parte relativa ao sétimo mandamento, e que ficou entusiamado com a ideia de que o Catolicismo permite roubar. "Sim, pá, foi o Arroja que disse na aula ... e sabes que o gajo sabe aquelas tretas todas do Catecismo...", afiança ele ao amigo.
Este tipo de história, em várias versões, vai multiplicar-se, passando de boca-em-boca dos alunos aos amigos e destes a toda a comunidade, a tal ponto que um dia fará manchete no jornal da cidade, acompanhado do minha fotografia, e com o título: "Professor de Economia ensina os alunos a roubar".
Eu vou perder o emprego na universidade. Talvez um dia o arranje noutra. Mas nesse dia, quando o tema da aula fôr o roubo, eu vou ensinar que a doutrina católica proíbe o roubo de forma absoluta, e cito o sétimo mandamento - e a coisa termina aí. Eu ganho a reputação de ser um professor decente e o catolicismo fica com a reputação de ser uma doutrina absolutamente proibicionista.

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