26 janeiro 2012

Fazer número

Na história anterior, quem acaba por juntar as peças do puzzle e articular a solução final ao problema é um homem que até ali se tinha mantido calado e um pouco afastado da multidão, que não tinha participado activamente na procura da solução, e que estava ali só a ver. O típico mirone.
Numa cultura com um forte sentido de comunidade, como é a cultura católica e portuguesa, o mirone tem uma função social importante. Acontece um acidente na estrada, um incêndio na rua, um idoso tropeça no passeio, um turista precisa de ajuda, e junta-se logo uma pequena multidão de portugueses. Para além daqueles que estão activamente a tentar resolver o problema, há outros que estão lá só para ver. São os mirones. Eles parecem não estar ali a fazer nada. E, no entanto, estão.
Nesta cultura as soluções aos problemas difíceis encontram-se em comunidade, não individualmente. Cada português sabe instintivamente, por força da sua cultura, que um português individualmente não vai conseguir resolver um problema difícil. Mas que, se se juntarem muitos portugueses, a solução vai aparecer. E é essa a função do mirone, emprestar o seu sentido de comunidade à resolução do problema. Por outras palavras, estar ali, fazer número.
No caso do problema posto pelo JCD no aeroporto da Portela, acaba mesmo por ser um mirone a tornar-se o herói. Não porque ele soubesse resolver o problema por si próprio, mas porque é ele que põe em conjunto as peças que os outros lhe vão fornecendo. Acerca dele, eu gostaria de dizer uma palavra mais.
Ele faz preceder o anúncio da solução ao problema de um expletivo - merda. O expletivo tem aqui dois sentido. O primeiro é o de produto final, de fim de ciclo e é nesse sentido que ele o utiliza para anuciar que a festa acabou, o problema está resolvido, ele já encontrou a solução. Mas o expletivo tem um segundo sentido, que é o de coisa desprezível, sem valor, vulgar, e ele também lhe empresta este sentido.
No fim, todos deviam ter sido capazes de chegar à solução como ele chegou, porque a coisa era bastante banal, mesmo óbvia - uma merda. Mas não. Foi ele. Deus só o iluminou a ele naquele momento, não aos outros. Por um momento na vida, ao menos por um momento, ele foi o eleito de Deus - o personalismo católico na sua máxima expressão. Um dia ele vai contar esta história aos netos.

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