É claro que eu devia ter dado ouvidos àqueles que, há cinquenta anos, era eu criança, diziam de forma recorrente, em público, quando se falava de democracia: "Os portugueses não estão preparados para a democracia". Onde quer que eles estejam agora, eu imagino-os a dizer: "Nós não te dizíamos?...".
Por vezes, a história tende a repetir-se. Eu tenho mantido uma discussão com o Ricardo acerca da democracia. Ele está desiludido com a democracia representativa (aqui), mas acredita que a democracia directa em Portugal pode funcionar. Tem, pelo menos, essa esperança. Eu não tenho. Nem de longe.
O meu argumento corre assim: Mas se o povo não é capaz sequer de escolher, de quatro em quatro anos, bons políticos que o representem (como tu próprio admites), como seria ele capaz de decidir sobre os milhares de questões políticas que a democracia directa o chamaria a decidir? Além disso, a democracia directa não prescinde dos políticos, simplesmente porque não é viável chamar o povo a decidir sobre todas as questões de interesse para a comunidade.
E acrescento sempre a mesma explicação. O povo português, na sua cultura, tem imensas qualidades, a maior das quais é ser imensamente generoso, não deixar cair ninguém nem que ninguém fique para trás. Mas também tem os seus defeitos, e esses defeitos são fatais para a democracia. Os principais são os de ser intelectualmente bronco, interesseiro e sem nenhum espírito público. Não é apenas, como se dizia na minha juventude, que o povo não estava preparado para a democracia. Não estava, não está e, receio bem prever, nunca estará.
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