A propósito deste post, recebi o seguinte email de um amigo. O email tem o título "Quem é que pode falar com Deus?" C
Caro Prof. Pedro Arroja,
Quem diz que fala com Deus faz lembrar os loucos que se julgam Napoleão.
O criminoso de Oslo disse ter falado com Deus, como quem tomou com ele cerveja. Nesse sentido percebe-se o seu post:
Os protestantes falam com Deus. Nós, católicos, é que não fazemos isso. Nós falamos com o padre, e o padre é que fala com Deus.
A ideia protestante de pôr a populaça a falar com Deus dá este resultado - Deus passa a ser assim uma espécie de buddy ou amigalhaço com quem nós conversamos de vez em quando.
A diferença entre o Protestantismo e o Catolicismo nesta matéria ajuda também a compreender porque é que este tipo de crime, sobretudo perpetrado por um homem que se reivindica cristão, seria impossível num país católico. É que num país católico ele iria explicar ao padre, não directamente a Deus. E o padre iria fazer saber aos mais próximos, senão mesmo à polícia, que aquele irmão estava perturbado e a precisar de ajuda urgente.
É, de facto, muito necessário prevenir formas falsas ou fraudulentas de oração. O protestantismo apostou no exame livre e pessoal da Escritura e tornou o critério subjectivo o grande ponto de partida da oração, arriscando tornar a oração num mero delírio auto-centrado. Um dos "must" do cristianismo (leia-se catolicismo) é os homens poderem falar mesmo com Deus. Os homens falaram com Deus feito homem: Jesus Cristo era mesmo Deus e falava mesmo com os homens, das coisas grandes e das triviais. Os homens falam com Deus dirigindo-se a Ele, com ou sem fórmulas.
Bento XVI escreve na Spe Salvi:
Quando já ninguém me escuta, Deus ainda me ouve. Quando já não posso falar com ninguém, nem invocar mais ninguém, a Deus sempre posso falar.
Falar com Deus é uma arte para ser aprendida, nem toda a aparência de oração é oração. Ainda a Spe Salvi:
O modo correcto de rezar é um processo de purificação interior que nos torna aptos para Deus e, precisamente desta forma, aptos também para os homens.
Na oração, o homem deve aprender o que verdadeiramente pode pedir a Deus, o que é digno de Deus. Deve aprender que não pode rezar contra o outro. Deve aprender que não pode pedir as coisas superficiais e cómodas que de momento deseja – a pequena esperança equivocada que o leva para longe de Deus.
Deve purificar os seus desejos e as suas esperanças. Deve livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio: Deus perscruta-as, e o contacto com Deus obriga o homem a reconhecê-las também.
Algumas das ferramentas que garantem que a oração é autêntica oração (mais da Spe Salvi):
Para que a oração desenvolva esta força purificadora, deve, por um lado, ser muito pessoal, um confronto do meu eu com Deus, com o Deus vivo; mas, por outro, deve ser incessantemente guiada e iluminada pelas grandes orações da Igreja e dos santos, pela oração litúrgica, na qual o Senhor nos ensina continuamente a rezar de modo justo.
Na oração, deve haver sempre este entrelaçamento de oração pública e oração pessoal. Assim podemos falar a Deus, assim Deus fala a nós. Deste modo, realizam-se em nós as purificações, mediante as quais nos tornamos capazes de Deus e idóneos ao serviço dos homens.
Como se vê, a intermediação da Igreja é mesmo necessária, e o seu post reflecte essa intuição. Num discurso em Maio passado, disse ainda Bento XVI:
Como nunca deixou de fazer, ainda hoje a Igreja continua a recomendar a prática da direcção espiritual, não apenas a quantos desejam seguir o Senhor de perto, mas a todos os cristãos que quiserem viver com responsabilidade o próprio Baptismo, ou seja, a vida nova em Cristo.
Com efeito, cada um e de modo particular quantos responderam ao chamamento divino e a uma sequela mais próxima, têm necessidade de ser acompanhados pessoalmente por um guia seguro na doutrina e perito nas realidades de Deus; ele pode ajudar a evitar fáceis subjectivismos, pondo à disposição a própria bagagem de conhecimentos e experiências vividos no seguimento de Jesus.
Trata-se de instaurar esta mesma relação pessoal que o Senhor mantinha com os seus discípulos, aquele vínculo especial com o qual Ele os conduziu, atrás de si, a abraçar a vontade do Pai (cf. Lc 22, 42), ou seja, a abraçar a cruz.
Desde Junho, às 4ªs feiras, Bento XVI iniciou um ciclo de discursos sobre a oração. Num deles falou dos Salmos como guia para que a oração seja mesmo conversa com Deus:
Os Salmos são dados ao fiel precisamente como texto de oração, que tem como única finalidade tornar-se a oração daqueles que os assumem e com eles se dirigem a Deus. Dado que são uma Palavra de Deus, quem recita os Salmos fala a Deus com as palavras que o próprio Deus nos concedeu, dirige-se a Ele com as palavras que Ele mesmo nos doa. Deste modo, recitando os Salmos aprendemos a rezar. Eles constituem uma escola de oração.
Eles são-nos doados para que aprendamos a dirigir-nos a Deus, a comunicarmos com Ele, a falar-lhe de nós com as suas palavras, a encontrar uma linguagem para o encontro com Deus. E, através de tais palavras, será possível também conhecer e aceitar os critérios do seu agir, aproximar-se ao mistério dos seus pensamentos e dos seus caminhos.
Do mesmo modo como as nossas palavras não são apenas palavras, mas ensinam-nos um mundo real e conceitual, assim também estas preces mostram-nos o Coração de Deus, pelo que não só podemos falar com Deus, mas podemos aprender quem é Deus e, aprendendo a falar com Ele, aprendemos como ser homens, como sermos nós mesmos.
A oração pode ser um processo difícil mas é indispensável. João Paulo II alertou:
Mas seria errado pensar que o comum dos cristãos possa contentar-se com uma oração superficial, incapaz de encher a sua vida.
Sobretudo perante as numerosas provas que o mundo actual põe à fé, eles seriam não apenas cristãos medíocres, mas « cristãos em perigo »: com a sua fé cada vez mais debilitada, correriam o risco de acabar cedendo ao fascínio de sucedâneos, aceitando propostas religiosas alternativas e acomodando-se até às formas mais extravagantes de superstição.
Por isso, é preciso que a educação para a oração se torne de qualquer modo um ponto qualificativo de toda a programação pastoral.
Um abraço
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