O Joaquim captou adequadamente neste post a diferença de tradições jurídicas que resulta de diferenças culturais. A cultura católica privilegia o indivíduo (que, nesta cultura, é uma verdadeira pessoa) sobre a comunidade, ao passo que a cultura protestante privilegia a comunidade sobre o indivíduo. A cultura católica tende, por isso, a ser hiper-sensível às ofensas à pessoa humana, mesmo aquelas que se exprimem meramente por palavras - os chamados crimes contra a honra (calúnia, difamação, etc.) -, uma sensibilidade que não tem correspondente na cultura protestante. Quando um direito possuindo um interesse essencialmente pessoal (v.g., o direito ao bom nome) entra em conflito com um direito que possui um interesse essencialmente colectivo (v.g., o direito a informar), a cultura protestante tende a fazer prevalecer este último.
Esta sobrevalorização da pessoa humana, face à comunidade, que é típica dos países de cultura católica, manifesta-se, às vezes, de forma cómica, outras um pouco ridícula, sobretudo para um observador que venha de uma cultura protestante. Para um holandês ou um americano que venha viver para Portugal, aquilo que ele vai achar é que os portugueses são umas flores-de estufa, não se lhes pode dizer nada, em termos um pouco mais duros, que eles ficam logo amuados ou ofendidos, se é que não põem logo um processo-crime contra o autor das palavras. Os portugueses exigem ser tratados como donzelas, fazendo justiça à natureza feminina da sua cultura.
Se o observador assistir a uma sessão pública onde participa o Presidente da República, verá que este será apresentado como "Sua Excelência, o Presidente da República, Professor Doutor Aníbal Cavaco Silva" , enquanto no seu país seria apenas "Mr. President". Na Universidade conhecerá "O Magnífico Reitor, Professor Doutor Fulano de Tal", enquanto no seu país o mesmo homem seria apenas tratado por "Mr. Rector".
Certo ano no Canadá assisti à abertura do Mundial de Futebol através de uma canal de televisão francófono. Procedia-se à apresentação dos jogadores de cada uma das selecções, exibindo a sua fotografia, enquanto o locutor informava àcerca dos seus nomes. Os jogadores de futebol são conhecidos por um nome, no máximo dois, como o nosso guarda-redes da altura - Bento - ou o médio de então, Carlos Manuel. Foram desfilando os jogadores de todas as selecções, até que chegou a altura da selecção portuguesa. Apareceu a imagem do Bento e o locutor anunciou Manuel Galrinho Bento. Aparentemente a Federação Portuguesa de Futebol forneceu à Imprensa o nome completo de cada jogador. Veio depois o Veloso e o locutor leu-lhe o nome todo (uns quatro ou cinco nomes no total), a seguir foi o Carlos Manuel, apresentado com o seu nome completo, e por ali adiante. À tantas o locutor não se conteve e desatou a rir, comentando: "Oh, mon Dieu, ces portugais ont de très grands noms!..".
Aquela precisão era absolutamente necessária, porque quem estava na baliza de Portugal não era um Bento qualquer. Era o Manuel Galrinho Bento. Se é que a FPF não forneceu à Imprensa também o número do bilhete de identidade, a data e o local de nascimento, e o nome do pai e da mãe.
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