Como é que um estudante dos anos 70, nascido e criado em Lisboa, com toda a sua família em Lisboa, e sem qualquer família no Porto, vai parar ao Porto a estudar Economia?
Foi por causa da PIDE.
Este inconveniente de me pôr desde então, até hoje, a viver longe da minha terra e da minha família, faz de mim, aos meus próprios olhos, uma vítima do fascismo. A tal ponto que, quando tiver tempo, eu me proponho reclamar do Estado uma reforma vitalícia pelo dano que me causou. Se fizer um choradinho à portuguesa, e armar suficientemente em coitadinho, estou convencido que vou conseguir.
Estávamos no ínício do ano lectivo de 1972-73, talvez Outubro. Eu tinha concluído os meus estudos de dois anos no Instituto Comercial de Lisboa, depois de fazer o curso comercial na Escola Comercial Veiga Beirão, também em Lisboa - na realidade, no Largo do Carmo, mesmo ali ao lado do Quartel onde se viria a desenrolar a acção do 25 de Abril. Este era o percurso que o ensino técnico de então prescrevia para se aceder a Economia. O meu destino natural era o ISCEF - o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, hoje ISE, onde me inscrevi.
Acontece, porém, que no final do ano lectivo anterior, talvez Abril ou Maio (1972) numa Reunião Geral de Alunos no ISCEF, dois agentes da PIDE (então já chamada DGS) assistiam à reunião disfarçados. Foram descobertos e gerou-se burburinho. Um deles puxou da pistola e matou um estudante, de nome Ribeiro Santos.
O Governo de Marcello Caetano mandou fechar imediatamente o ISCEF. E no início do ano lectivo seguinte, o boato que corria é que a instituição iria estar fechada durante o ano inteiro.
Eu estudava com uma Bolsa de Estudo da Gulbenkian, e não podia passar sem ela. Com receio de a perder, em virtude de o ISCEF não abrir, eu pedi à Gulbenkian para vir para a Universidade do Porto, que era a única na altura - para além da Universidade Técnica de Lisboa, a que o ISCEF pertencia -, que ministrava o curso de Economia no país.
A Gulbenkian não só me disse que sim como me aumentou a Bolsa de Estudo de 600 escudos por mês (equivalente a três euros, mas que era uma excelente bolsa na altura) para 1100 escudos (5.5 euros), porque agora eu seria um estudante deslocado da família a ter de pagar acomodação, alimentação, etc.
E foi assim que este lisboeta dos quatro costados, fervoroso adepto do Benfica, terminou no Porto, aparentemente para a vida. Por causa da PIDE.
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