Ontem à tarde, foi finalmente divulgada a versão oficial - e completa - do Boletim de Março da Execução Orçamental. Já sabíamos, através das fugas de informação nas quais o Ministério das Finanças se especializou recentemente, que a despesa do Estado havia baixado em 3,6%. Só faltava saber como. Pois então, primeiro, há que salientar que existem duas formas de classificar a despesa: a efectiva (a total) e a primária (que exclui o pagamento de juros e outros encargos). Ora, em ambos os casos registou-se, de facto, uma descida. Porém, é de sublinhar que, tendo a despesa total corrigido para além do previsto no Orçamento de 2011 (-3,6% contra -1,5% previstos), a despesa primária baixou aquém do esperado (-3,6% contra uma previsão de -4% no OE).
Ainda na rubrica da Despesa, observamos que as suas principais componentes, ou seja, as Despesas com Pessoal e as Transferências Correntes estão a ser corrigidas. No caso dos salários, a correcção média é de 5,3%, em linha com o esperado, porém, registando ainda algumas situações de excepção nomeadamente nos Ministérios da Defesa e da Administração Interna onde se registaram aumentos de 7,7% e 8,9%, respectivamente (slide 37). Enfim, presumo que seja para evitar novos furtos de armas nos arsenais de guerra (a propósito, já as descobriram?!) e para premiar o grande sucesso logístico que constituíram as últimas eleições presidenciais...Há ainda um outro factor que me leva a questionar se, realmente, este aforro salarial é mesmo para valer, ou não. Refiro-me, concretamente, às Despesas com Pessoal dos Serviços e Fundos Autónomos (slide 38) que, em vez de diminuírem como na Administração Central, aumentaram! Em 3,5%. E neste sector, não foram apenas os salários a aumentar; os subsídios também cresceram, e cresceram 85%!! Em relação às Transferências Correntes, a redução obtida foi de 4,2%, sendo que, se bem me recordo, esta redução é insuficiente face ao que foi orçamentado. Por fim, um último destaque para a rubrica de "Aquisição de Bens e Serviços Correntes", que registou um acréscimo de 49%, o que, na prática, quer dizer que se gastaram mais 50 milhões de euros em sabe-se lá o quê! Ou seja, no balanço geral, trata-se de uma consolidação, do lado da despesa, que ainda deixa muito a desejar.
Quanto aos impostos, sem prejuízo de a receita fiscal continuar a crescer a dois dígitos (+10,7% face a Fevereiro do ano passado), esse ritmo de progressão foi menor que em Janeiro. Mas a exemplo de Janeiro, o crescimento na cobrança de impostos indirectos (8,9%) voltou a ser inferior ao crescimento verificado na cobrança de impostos directos (14,6%). Ou seja, na iminência de o novo PEC IV - que prevê uma reestruturação das taxas de IVA, a fim de, na prática, aumentar o próprio IVA - ser chumbado, não vejo como é que aquela trajectória referida atrás se vai alterar. E como o IVA é a principal fonte de receita do Estado...não vejo como é que uma subida momentânea do IRS e do IRC poderá contrabalançar a desaceleração da tributação sobre o consumo. Em suma, mantenho o que escrevi há um mês: as receitas fiscais atingiram, ou vão atingir muito em breve, o seu zénite. E que, na ausência de maior rigor - e vigor - na correcção da despesa, a consolidação orçamental para as metas previstas está em risco.
Por fim, um parágrafo para os truques! Ao contrário do que é habitual, noto neste relatório da Direcção Geral do Orçamento uma invulgar intromissão política num documento que se pretende exclusivamente técnico. Primeiro, não entendo por que razão a descrição pormenorizada da despesa aparece quase no fim da apresentação (slide 32), quando a descrição pormenorizada da receita aparece logo no início (slide 8)...Segundo, como os leitores deste blogue sabem, tenho, nestes meus comentários, salientado sempre a existência, em cada relatório publicado, de uma lista de organismos públicos em incumprimento na prestação de informação, na qual a nossa querida Assembleia da República tem aparecido sucessivamente, para descrédito dos agentes políticos. Ora, em Fevereiro, o Jornal de Negócios fez essa chamada de atenção e parece que resultou. Neste relatório de Março, escreve-se o seguinte (slide 14): "A análise da conta do subsector dos Serviços e Fundos Autónomos (SFA) de Fevereiro (5) encontra-se influenciada pela ausência de reporte da execução orçamental dos seguintes organismos: Administração Regional da Saúde do Alentejo, Hospital de São Marcos e UMIC - Agência para a Sociedade do Conhecimento. Nota (5): Não inclui a Assembleia da República". Enfim, confesso que não entendo a nota de rodapé (5). Quer aquela dizer que a Assembleia da República não se encontra no perímetro dos SFA's? Ou quererá aquela dizer que, em Fevereiro, optou-se por não incluir o Parlamento no relatório, quiçá, por ainda não existirem dados?!
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