Portugal pode até ser um país de católicos, onde a maioria da população tem no catolicismo o seu sentimento religioso, mas a maioria dos portugueses não segue os ditames da sua Igreja (ver aqui o último censo sobre o assunto), tão-pouco os conhece ou pretende conhecer. Os portugueses são mais “católicos geográficos” do que verdadeiros crentes no catolicismo, como o atestam, nas palavras dos próprios, os inúmeros “católicos não-praticantes”, “maus católicos”, “católicos que não gostam de padres”, ou ainda os “católicos-com-uma-visão-muito-particular-de-Deus”. Este é o “católico” dominante português.
Culturalmente, a presença da Igreja Católica é considerável. Mas quase sempre dentro de portas, isto é, dentro da própria instituição. Fora dela – na literatura, na ciência, na política, mesmo até na Universidade – a influência do catolicismo foi muito reduzida na nossa História. Ao longo dela, abundam escritores críticos da Igreja, muitos deles até mesmo anticlericais, como praticamente o foram quase todos os da Geração de 70. Antes deles, no mesmo século, os nossos maiores escritores manifestaram claros sintomas de anticlericalismo. Basta referir Camilo e Garret, para nos ficarmos pelos maiores. E, já agora, Alexandre Herculano, que em Eu e o Clero, publicado em 1850, manifesto um anticlericalismo militante, que não abandonaria ao longo da vida, ao ponto de se ter envolvido activamente em campanhas contra a Igreja, como a da questão que envolveu as Irmãs de Caridade (entre 1858 e 1862) e até mesmo a um comício anticlerical a que presidiu em 1861. Se formos mais para trás, muito antes da influência das “luzes”, Gil Vicente condenou o “Frade”, símbolo do clero, e, por sinal, a sua amante que o acompanhava na barca que os levaria ao inferno e não ao céu, tão-pouco ao purgatório. A crítica de Gil Vicente ao clero medieval português retrata um sentimento anticlerical – que não necessariamente anti-religioso – desde sempre muito forte na nossa comunidade, sobretudo no povo e, mais tarde, na burguesia urbana.
Na sua condução política, o Estado Português foi muito pouco influenciado pela Igreja. Pelo contrário, esteve frequentemente em guerra com ela. Afonso Henriques só conseguiu o reconhecimento papal do reino em 1179, quarenta anos depois de se ter proclamado rei de Portugal e trinta e seis anos após o reconhecimento dessa independência por parte de Afonso VII de Leão e Castela. Afonso II foi excomungado pelo Papa Honório III e nessa pecaminosa condição viria a falecer em 1223. Sancho II teve graves conflitos com a Igreja, desde logo com o Bispo do Porto, com o Bispo de Lisboa e até com o Arcebispo de Braga, tendo sido excomungado em 1234, e deposto em 1245 pela Bula papal Grandi non immerito (ler aqui). Afonso III, que se lhe seguiu, teve conflitos violentos com a Igreja, e também foi excomungado em 1268 por Clemente IV. D. Pedro I promulgou o Beneplácito Régio, que proibia a circulação dos documentos papais sem prévio visto e autorização do rei. D. João II, o “Principe Perfeito”, que não admitia nenhum poder próximo do seu, consta que mandou envenenar na prisão o Bispo de Évora, D. Garcia de Menezes. Mais tarde, o Marquês expulsou os Jesuítas. A Revolução de 1820 pretendeu separar o “Trono do Altar”, o que efectivamente sucedeu após o fim da guerra civil, em 34. E, à medida que o século avança, o anticlericalismo transforma-se num programa político que levaria à implantação da República. Sobre esta é desnecessário falar.
Serve isto para dizer que, ao invés do que o Pedro tem dito, o facto da Igreja Católica ser uma instituição historicamente forte e muito presente em Portugal, o país, melhor, o estado nunca seguiu qualquer forma católica de organização. O respeito institucional pela Igreja foi maior ou menor consoante os períodos, mas nem esta, nem a sua doutrina moldaram alguma vez qualquer regime político em Portugal. Nem mesmo no período de Salazar, que utilizou a instituição como ornamento do regime e não como fonte de inspiração da sua praxis política. Por outro lado, a rejeição social do clero e alguns sentimentos anti-religiosos – que, sem dúvida, a modernidade viria agravar – são antigos e não recentes. Por outras palavras, se os portugueses foram influenciados pela doutrina católica, também o foram por quem a rejeitava. Qual das duas pesa hoje mais, em minha opinião, inequivocamente a segunda.
As teses que o Pedro tem ultimamente defendido não têm, assim, adesão à nossa realidade. Se bem ou mal, é uma outra questão. Eu espero conseguir que ele se aperceba disso e do que a nossa realidade verdadeiramente é. Prestar atenção à Revolução Francesa pode ser um bom começo...
Culturalmente, a presença da Igreja Católica é considerável. Mas quase sempre dentro de portas, isto é, dentro da própria instituição. Fora dela – na literatura, na ciência, na política, mesmo até na Universidade – a influência do catolicismo foi muito reduzida na nossa História. Ao longo dela, abundam escritores críticos da Igreja, muitos deles até mesmo anticlericais, como praticamente o foram quase todos os da Geração de 70. Antes deles, no mesmo século, os nossos maiores escritores manifestaram claros sintomas de anticlericalismo. Basta referir Camilo e Garret, para nos ficarmos pelos maiores. E, já agora, Alexandre Herculano, que em Eu e o Clero, publicado em 1850, manifesto um anticlericalismo militante, que não abandonaria ao longo da vida, ao ponto de se ter envolvido activamente em campanhas contra a Igreja, como a da questão que envolveu as Irmãs de Caridade (entre 1858 e 1862) e até mesmo a um comício anticlerical a que presidiu em 1861. Se formos mais para trás, muito antes da influência das “luzes”, Gil Vicente condenou o “Frade”, símbolo do clero, e, por sinal, a sua amante que o acompanhava na barca que os levaria ao inferno e não ao céu, tão-pouco ao purgatório. A crítica de Gil Vicente ao clero medieval português retrata um sentimento anticlerical – que não necessariamente anti-religioso – desde sempre muito forte na nossa comunidade, sobretudo no povo e, mais tarde, na burguesia urbana.
Na sua condução política, o Estado Português foi muito pouco influenciado pela Igreja. Pelo contrário, esteve frequentemente em guerra com ela. Afonso Henriques só conseguiu o reconhecimento papal do reino em 1179, quarenta anos depois de se ter proclamado rei de Portugal e trinta e seis anos após o reconhecimento dessa independência por parte de Afonso VII de Leão e Castela. Afonso II foi excomungado pelo Papa Honório III e nessa pecaminosa condição viria a falecer em 1223. Sancho II teve graves conflitos com a Igreja, desde logo com o Bispo do Porto, com o Bispo de Lisboa e até com o Arcebispo de Braga, tendo sido excomungado em 1234, e deposto em 1245 pela Bula papal Grandi non immerito (ler aqui). Afonso III, que se lhe seguiu, teve conflitos violentos com a Igreja, e também foi excomungado em 1268 por Clemente IV. D. Pedro I promulgou o Beneplácito Régio, que proibia a circulação dos documentos papais sem prévio visto e autorização do rei. D. João II, o “Principe Perfeito”, que não admitia nenhum poder próximo do seu, consta que mandou envenenar na prisão o Bispo de Évora, D. Garcia de Menezes. Mais tarde, o Marquês expulsou os Jesuítas. A Revolução de 1820 pretendeu separar o “Trono do Altar”, o que efectivamente sucedeu após o fim da guerra civil, em 34. E, à medida que o século avança, o anticlericalismo transforma-se num programa político que levaria à implantação da República. Sobre esta é desnecessário falar.
Serve isto para dizer que, ao invés do que o Pedro tem dito, o facto da Igreja Católica ser uma instituição historicamente forte e muito presente em Portugal, o país, melhor, o estado nunca seguiu qualquer forma católica de organização. O respeito institucional pela Igreja foi maior ou menor consoante os períodos, mas nem esta, nem a sua doutrina moldaram alguma vez qualquer regime político em Portugal. Nem mesmo no período de Salazar, que utilizou a instituição como ornamento do regime e não como fonte de inspiração da sua praxis política. Por outro lado, a rejeição social do clero e alguns sentimentos anti-religiosos – que, sem dúvida, a modernidade viria agravar – são antigos e não recentes. Por outras palavras, se os portugueses foram influenciados pela doutrina católica, também o foram por quem a rejeitava. Qual das duas pesa hoje mais, em minha opinião, inequivocamente a segunda.
As teses que o Pedro tem ultimamente defendido não têm, assim, adesão à nossa realidade. Se bem ou mal, é uma outra questão. Eu espero conseguir que ele se aperceba disso e do que a nossa realidade verdadeiramente é. Prestar atenção à Revolução Francesa pode ser um bom começo...
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