Também publicado aqui.
Não fosse o Le Vieux Cordelier, jornal que fundara por sugestão de Danton para tentar conter os ímpetos extremados da Revolução, talvez Camille Desmoulins tivesse sobrevivido à sanha persecutória de Maximillien Robespierre contra Danton e os seus próximos.
Camille era um dos mais célebres e celebrados jacobinos, e um dos mais precoces revolucionários parisienses, tendo começado a sua carreira de agitador muito cedo, logo nos acontecimentos da Bastilha, em Julho de 1789. Estava, então, com apenas 29 anos de idade. Foi ele quem, no dia 12 desse mês e nos que se seguiram até e depois da queda da velha prisão de Paris, instigou a populaça à revolta e à queda da ordem estabelecida. Até ao dia da sua morte, a 5 de Abril de 1794, em pleno Terror, foi sempre um agitador e um revolucionário. Revelou-se, também, um excelente jornalista e um polemista de excepção. Seriam estas suas duas últimas qualidades que o levariam ao cadafalso, às ordens de Robespierre e de Antoine Saint Just.
Com Danton e com muitos outros, Camille fundara o Clube dos Cordoeiros nos primórdios da Revolução. Tratava-se de um grupo revolucionário popular, de acesso fácil e barato, ao invés do Clube dos Amigos da Constituição, o clube jacobino mais destacado, fundado e frequentado por La Fayette, Mirebeau e Robespierre, onde o ingresso era mais selectivo e quase exclusivamente reservado à burguesia. O Clube reunia-se no Convento dos Franciscanos de Paris, os «Cordieliers», como eram popularmente conhecidos os devotos dessa Ordem em virtude do cordão branco e nodoso com que cingiam os seus hábitos, e foi nele que ganharam visibilidade algumas das personalidades da extrema-esquerda da Revolução, entre elas, para além de Danton e do próprio Desmoulins, Marat e Hérbert. No espírito romântico do revolucionário Desmoulins, os velhos cordoeiros eram a essência da Revolução e era a esse espírito que se deveria regressar em 93 para a salvar de si própria e dos seus excessos. Daí o nome do jornal que fundou em 1793, em pleno Terror.
Robespierre – que dominava a Revolução por essa altura – começou por ver alguma utilidade na publicação do jornal do seu afilhado de casamento. Nos dois primeiros números, Camille dedicara-se a atacar Hébert e os extremistas do Le Père Duchesne, o que abriu caminho a Robespierre para depurar mais esse grupo “divisionista” que ameaçava a sua autoridade e que punha frequentemente em questão o rumo que ele queria para a Revolução. Entre outras coisas, desagradavam-lhe a imoralidade do bando, frequentemente dedicado a celebrações que o Incorruptível considerava degradantes, e o anticlericalismo e a aversão à religião que caracterizavam os seus chefes. A 24 de Março de 94, Hébert e os seus sobem ao cadafalso, entregando-se, a contragosto, aos cuidados de Samson.
As denúncias dos dois primeiros números do jornal de Desmoullins não foram irrelevantes para o ambiente criado para atacar o bando. Mas os números 3 e 4 do jornal, saídos em Dezembro de 93, já foram muito menos agradáveis e úteis para o Comité de Salvação Pública e para o seu chefe. Nesses números exigia-se a libertação dos milhares de presos políticos que enchiam as prisões de França e a revogação da lei de 22 de Prairial (10 de Junho), a famosa «lei dos suspeitos», que legitimara todas as arbitrariedades e atrocidades cometidas em seu nome. Debatido o assunto nos Jacobinos, Robespierre, que tinha para com Desmoullins uma incomum tolerância, sugeriu que «os números ofensivos desse jornal sejam queimados no recinto desta sociedade!». Ao que Camille lhe respondeu, enfrentando-o e condenando-se irremiavelmente, com a velha frase de Rousseau, em defesa do seu Émile, «Brûler n’est pas répondre».
«Ouve bem, Camille! Não fosses tu quem és, a indulgência demonstrada há pouco não teria o menor cabimento. A tua atitude para comigo é a prova de que as tuas intenções são desonestas». Com estas palavras proferidas num ímpeto de cólera, Robespierre condenou irremediavelmente Camille Desmoulins. Este tentou ainda recuperar a sua posição perante Robespierre, e os números seguintes do seu jornal, publicado até ao número 7, evidenciam bem essa tentativa. De nada lhe valeria o esforço: seria executado a 5 de Abril de 94, juntamente com Danton e com outros dantonistas acusados de venalidade e corrupção na Companhia das Índias Orientais. Os réus políticos tinham sido intencionalmente misturados no mesmo julgamento com outros mais vulneráveis de modo a diminuir o seu estatuto. O acusador público, Fouquier-Tinville, não o poupou. De resto, era ainda seu primo e conseguira o lugar meses antes por intercessão de Camille junto de Danton, quando este era ministro da justiça.
Camille Desmoulins deixou um filho muito pequeno e a mulher, Lucile, que se lhe juntou uma semana mais tarde, sob a acusação de ter conspirado para libertar Danton do cadafalso. Foi vítima da forma livre como exerceu a sua opinião, num país que acabara de reclamar, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que «La libre communication des pensées et des opinions est un des droits les plus précieux de l'homme ; tout citoyen peut donc parler, écrire, imprimer librement, sauf à répondre de l'abus de cette liberté dans les cas déterminés par la loi». Pois é.
Não fosse o Le Vieux Cordelier, jornal que fundara por sugestão de Danton para tentar conter os ímpetos extremados da Revolução, talvez Camille Desmoulins tivesse sobrevivido à sanha persecutória de Maximillien Robespierre contra Danton e os seus próximos.
Camille era um dos mais célebres e celebrados jacobinos, e um dos mais precoces revolucionários parisienses, tendo começado a sua carreira de agitador muito cedo, logo nos acontecimentos da Bastilha, em Julho de 1789. Estava, então, com apenas 29 anos de idade. Foi ele quem, no dia 12 desse mês e nos que se seguiram até e depois da queda da velha prisão de Paris, instigou a populaça à revolta e à queda da ordem estabelecida. Até ao dia da sua morte, a 5 de Abril de 1794, em pleno Terror, foi sempre um agitador e um revolucionário. Revelou-se, também, um excelente jornalista e um polemista de excepção. Seriam estas suas duas últimas qualidades que o levariam ao cadafalso, às ordens de Robespierre e de Antoine Saint Just.
Com Danton e com muitos outros, Camille fundara o Clube dos Cordoeiros nos primórdios da Revolução. Tratava-se de um grupo revolucionário popular, de acesso fácil e barato, ao invés do Clube dos Amigos da Constituição, o clube jacobino mais destacado, fundado e frequentado por La Fayette, Mirebeau e Robespierre, onde o ingresso era mais selectivo e quase exclusivamente reservado à burguesia. O Clube reunia-se no Convento dos Franciscanos de Paris, os «Cordieliers», como eram popularmente conhecidos os devotos dessa Ordem em virtude do cordão branco e nodoso com que cingiam os seus hábitos, e foi nele que ganharam visibilidade algumas das personalidades da extrema-esquerda da Revolução, entre elas, para além de Danton e do próprio Desmoulins, Marat e Hérbert. No espírito romântico do revolucionário Desmoulins, os velhos cordoeiros eram a essência da Revolução e era a esse espírito que se deveria regressar em 93 para a salvar de si própria e dos seus excessos. Daí o nome do jornal que fundou em 1793, em pleno Terror.
Robespierre – que dominava a Revolução por essa altura – começou por ver alguma utilidade na publicação do jornal do seu afilhado de casamento. Nos dois primeiros números, Camille dedicara-se a atacar Hébert e os extremistas do Le Père Duchesne, o que abriu caminho a Robespierre para depurar mais esse grupo “divisionista” que ameaçava a sua autoridade e que punha frequentemente em questão o rumo que ele queria para a Revolução. Entre outras coisas, desagradavam-lhe a imoralidade do bando, frequentemente dedicado a celebrações que o Incorruptível considerava degradantes, e o anticlericalismo e a aversão à religião que caracterizavam os seus chefes. A 24 de Março de 94, Hébert e os seus sobem ao cadafalso, entregando-se, a contragosto, aos cuidados de Samson.
As denúncias dos dois primeiros números do jornal de Desmoullins não foram irrelevantes para o ambiente criado para atacar o bando. Mas os números 3 e 4 do jornal, saídos em Dezembro de 93, já foram muito menos agradáveis e úteis para o Comité de Salvação Pública e para o seu chefe. Nesses números exigia-se a libertação dos milhares de presos políticos que enchiam as prisões de França e a revogação da lei de 22 de Prairial (10 de Junho), a famosa «lei dos suspeitos», que legitimara todas as arbitrariedades e atrocidades cometidas em seu nome. Debatido o assunto nos Jacobinos, Robespierre, que tinha para com Desmoullins uma incomum tolerância, sugeriu que «os números ofensivos desse jornal sejam queimados no recinto desta sociedade!». Ao que Camille lhe respondeu, enfrentando-o e condenando-se irremiavelmente, com a velha frase de Rousseau, em defesa do seu Émile, «Brûler n’est pas répondre».
«Ouve bem, Camille! Não fosses tu quem és, a indulgência demonstrada há pouco não teria o menor cabimento. A tua atitude para comigo é a prova de que as tuas intenções são desonestas». Com estas palavras proferidas num ímpeto de cólera, Robespierre condenou irremediavelmente Camille Desmoulins. Este tentou ainda recuperar a sua posição perante Robespierre, e os números seguintes do seu jornal, publicado até ao número 7, evidenciam bem essa tentativa. De nada lhe valeria o esforço: seria executado a 5 de Abril de 94, juntamente com Danton e com outros dantonistas acusados de venalidade e corrupção na Companhia das Índias Orientais. Os réus políticos tinham sido intencionalmente misturados no mesmo julgamento com outros mais vulneráveis de modo a diminuir o seu estatuto. O acusador público, Fouquier-Tinville, não o poupou. De resto, era ainda seu primo e conseguira o lugar meses antes por intercessão de Camille junto de Danton, quando este era ministro da justiça.
Camille Desmoulins deixou um filho muito pequeno e a mulher, Lucile, que se lhe juntou uma semana mais tarde, sob a acusação de ter conspirado para libertar Danton do cadafalso. Foi vítima da forma livre como exerceu a sua opinião, num país que acabara de reclamar, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que «La libre communication des pensées et des opinions est un des droits les plus précieux de l'homme ; tout citoyen peut donc parler, écrire, imprimer librement, sauf à répondre de l'abus de cette liberté dans les cas déterminés par la loi». Pois é.
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