17 fevereiro 2010

O esqueita

Eu gostaria de comentar brevemente as reacções que este meu post gerou. A primeira, e a mais infantil, foi tornar a discussão uma discussão sobre o significado das palavras. Em Portugal, as discussões intelectuais, quando não terminam em insulto, terminam invariavelmente com cada um dos participantes de dicionário na mão a discutir o significado das palavras, e omitindo por completo a substância da questão. Eu fui mais longe e muni-me de uma enciclopédia (ver aqui).

As reacções mais continuadas ocorreram n' O Insurgente (aqui, aqui, e aqui )

Eram duas as questões substanciais contidas no meu post. A primeira é a de que o Paulo Rangel não é católico coisa nenhuma e isso é decisivo (ver abaixo) para ele ser capaz ou não de federar a direita em Portugal. Ele é um catante, um protestante nascido e criado numa cultura católica. Um católico genuíno subscreve todos os dogmas da Igreja Católica, ele aceita todas as verdades que a Igreja lhe transmite sem jamais as questionar, verdades que a Igreja guarda sob a autoridade suprema e absoluta do Papa.

Ao contrário daquilo que o Paulo Rangel pensa, A Igreja Católica não é propriamente um restaurante onde cada um se senta à mesa, pede o menú e, percorrendo com o dedo cada um dos pratos, vai decidindo: "Gosto deste ... não gosto daquele, adoro este ... detesto aqueloutro". Essa é a marca distintiva das seitas protestantes, que são verdadeiros restaurantes com um menú variado e à escolha do freguês. Por isso é que há tantas seitas protestantes, e cada um pode criar a sua.

É claro que a Igreja abre a porta a todos, sejam ou não católicos, porque tem sempre a esperança de os vir a converter. Na realidade, é a única instituição que tem sempre as portas abertas para todos, 24 horas por dia, não cobra preço de entrada, não há filas de espera e há sempre lugar para mais um. Isso não quer dizer que qualquer um que lá entre seja católico. Um bom número são catantes, ateus, agnósticos, muçulmanos, judeus, e até genuínos protestantes. Há de tudo, como é natural em quem tem sempre a porta aberta.

A segunda questão do meu post respeitava a saber se a marca distintiva de um homem de direita em Portugal é ou não a sua subscrição das verdades da Igreja. Claro que é. Na Revolução Francesa, quando os termos esquerda e direita foram cunhados, aquilo que distinguiu a esquerda foi o seu ataque sem tréguas ao pensamento católico, que foi defendido pela direita. Na realidade, não havia outra tradição de pensamento para atacar - só havia a tradição de pensamento católica.

Por isso, a direita em Portugal terá de encontrar a sua fundação na tradição católica, caso contrário não é direita. Eu tenho assistido recentemente a algumas tentativas de refundar a direita no pensamento de homens como Friedrich Hayek, por exemplo. Mas o Hayek não era de direita. Era de esquerda. E não sou eu que o digo. Foi o próprio Hayek que o confessou ao escrever no seu célebre ensaio "Why I am not a Conservative" que se considerava um old Whig. Ora, os Whigs eram a esquerda inglesa da altura e os antecedentes mais remotos do moderno Labour Party (cf. aqui). A única alteração sensível nesta evolução respeita à função que hoje o Labour Party atribui ao Estado, e que o Whig Party não lhe reconhecia numa tal extensão.

Pretender refundar a direita com base no pensamento do Hayek, ou do liberalismo moderno, não conduz nem à direita nem à esquerda, conduz ao tipo de intelectual laico que, na esfera religiosa, tem o seu equivalente no catante - o esqueita. O esqueita é o intelectual de esquerda que quer ser de direita. O Paulo Rangel está, obviamente, nesta categoria.

PS. É claro que eu espero que o Paulo Rangel, que é uma pessoa que eu conheço e imensamente cordial, não vai considerar ofensivos estes meus posts acerca dele. Não existe nada de pessoal neles. Excepto que eu não acredito que ele possa ser um federador da direita, ou sequer que traga união ao PSD.

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