25 fevereiro 2010

Os factos

No paradigma da ciência moderna, incluindo a Economia, só conta aquilo que se vê - os factos. Esta atitude conduz a erros extraordinários e os danos que produz estão hoje aí à vista de todos em Portugal. Refiro-me, por exemplo, às alegadas vantagens do comércio livre, uma ideia que está na base do espaço económico europeu e da globalização.
Consideremos uma comunidade (v.g., país) em regime de autarcia económica onde um certo número de produtores produzem um certo bem X e o vendem ao preço de 10. No mundo este bem é produzido e vendido ao preço de 7 por unidade. Deve este país abrir-se ao comércio internacional? Para a ciência económica a resposta é afirmativa.
Sob condições de comércio livre o produto passa a vender-se no país ao preço de 7. Os consumidores beneficiam. Quanto aos produtores nacionais, uma parte deles vai à falência (todos aqueles que produzem o bem a um custo unitário superior a 7), ficando apenas a outra parte (aqueles que o produzem a um custo unitário inferior a sete). A diferença entre a procura e a oferta ao preço do mercado é abastecida agora por produtores estrangeiros.
Os consumidores nacionais ganham com a abertura do mercado, e o seu ganho é medido pelo acréscimo do chamado excedente do consumidor, a medida de bem-estar dos consumidores (*). Os produtores nacionais perdem com a abertura do mercado e a sua perda é medida pela redução do chamado excedente dos produtores, a medida de bem-estar dos produtores. (**) Prova-se - o que evitarei fazer aqui - que, com a abertura do mercado, o bem-estar social, medido pela soma do excedente dos consumidores com o excedente dos produtores, aumenta (o acréscimo do excedente dos consumidores resultante da abertura do mercado é maior do que a redução do excedente dos produtores nacionais). Portanto, a abertura ao comércio livre é boa para o país porque aumenta o bem-estar da sociedade.
Antes de comentar mais detalhadamente este argumento - o que farei no próximo post - eu gostaria de dizer como reagiria perante um economista que me o apresentasse, caso eu fosse um dos trabalhadores nacionais lançados no desemprego, em resultado da abertura do país ao comércio internacional. Diria assim:
-Olhe, então traga-me lá a sociedade para eu lhe perguntar se ela se sente, de facto, melhor com o regime de comércio livre...
E o cientista-economista moderno, para quem a verdade reside nos factos, seria incapaz de produzir um único facto para substanciar a sua tese, porque a sociedade - sendo um ideia e não uma pessoa - não iria comparecer à chamada.
(*) O excedente do consumidor é a diferença entre o preço máximo que ele estaria disposto a pagar por um bem e o preço que efectivamente paga no mercado. Eu hoje tomei um café e paguei 65 cêntimos. Se o vendedor me tivesse cobrado 85 cêntimos eu teria tomado o café na mesma. Até um euro não me importava de pagar, valor a partir do qual passaria a tomar o café em casa. O meu excedente de consumidor foi de 35 cêntimos. O excedente do consumidor é a medida do benefício que o consumidor obtem numa troca livre no mercado.
(**) O empresário acima só me vendeu o café a 65 cêntimos porque ele lhe custa menos de 65 centimos a produzir (v.g., 50 cêntimos). O excedente do produtor foi neste caso 15 cêntimos. O excedente do produtor é a diferença entre o preço do mercado e o custo marginal de produção, e é a medida de bem-estar dos produtores nas trocas livres do mercado. Aproxima a ideia de lucro, ou de mais-valia na terminologia marxista, embora seja diferente de ambas.

Sem comentários: