Nenhum homem se torna uma verdadeira pessoa vivendo numa ilha deserta como Robinson Crusoé. Ele precisa dos outros para aprender com os outros, precisa dos outros para se diferenciar deles e formar a sua personalidade, precisa dos outros para realizar a sua vocação humana e divina. Daí o ênfase que a Doutrina Social da Igreja coloca na comunidade. As comunidades humanas existem, em última instância para servir a pessoa humana (Cat: 1881), e por isso cada homem "é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte" (Cat: 1880).
Como é que se constitui uma comunidade, qual é o cimento que deve unir os membros de uma comunidade que pretenda constituir-se em bases sólidas e duradouras? A heresia protestante diz que é o interesse-próprio do indivíduo, que encontra a sua expressão nas modernas teorias contratualistas da sociedade baseadas em "O Contrato Social" de Rousseau. Adam Smith, o pai do liberalismo económico moderno, e contemporâneo de Rousseau, exprimiu a ideia na frase que é uma das mais citadas da sua obra: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos seus próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca falamos das nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter."
A Igreja Católica, pelo contrário, afirma que é o amor - o amor cristão ou caridade. E podia invocar, a este respeito, a primeira e mais importante das comunidades humanas - a família - que é fundada no amor, e não no interesse-próprio. Indo mais além, e perguntando ao padeiro de Adam Smith porque é que ele trabalhava e produzia pão, a resposta mais provável é a de que tinha lá em casa uma família para sustentar.
Não é possível fundar uma família sobre o interesse-próprio, e talvez por isso é que Adam Smith nunca fundou nenhuma. Nem Rousseau, apesar de ter tido cinco filhos. Na realidade, que interesse-próprio é que pode ter um pai em sustentar cinco filhos, anos a fio até eles se tornarem adultos? Nenhum. Por isso é que Rousseau não sustentou os seus, menos ainda a mãe deles, abandonando-os um a um, à medida que foram nascendo, à porta de uma instituição que cuidava de crianças pobres.
Nenhuma comunidade, a prazo, sobrevive se estiver fundada no interesse-próprio, ainda que contratualizado, porque a própria decisão de permanecer na comunidade, ou não, passa a depender, a todo o momento, de um cálculo de custos e benefícios, e a denúncia do contrato uma eventualidade permanente. Nem se pode esperar que alguém cuide do bem-comum da sociedade, se a sua relação com ela assume o carácter de uma mera transacção comercial. Se o interesse próprio dos fumadores de charutos prevalecer, a comunidade de Vilar de Papagaios descrita neste post vai desaparecer porque metade da sua população vai ter de emigrar para encontrar emprego.
Um homem, que seja um verdadeiro homem, e não um menino-mimado que só atende aos seus próprios interesses, reconhece que deve muito daquilo que é à família onde nasceu e às diferentes comunidades em que a sua pessoa se desenvolveu. Por isso, ele deve dedicação à comunidade, incluindo o dever de a proteger, porque a comunidade é, em primeiro lugar, um espaço de protecção recíproca. Um homem protege a sua mulher, e ela a ele, não por interesse próprio, mas por amor, e é ainda por amor que ambos protegem os filhos, e o irmão mais velho protege o irmão mais novo. O amor romântico, o amor paternal e maternal, o amor fraternal são aqui manifestações do amor cristão ao próximo, ou caridade.
Existe por isso um imperativo por parte de todos os homens de Vilar de Papagaios, e mais geralmente de todos os portugueses, para encontrarem uma solução que proteja o Sr. João, e mais a outra metade da população ameaçada pela importação mais barata de charutos da China. Para protecção imediata da comunidade de Vilar de Papagaios, e mais remotamente da própria comunidade portuguesa. Esse imperativo não resulta de qualquer cálculo económico baseado no interesse-próprio, mas daquele que é o valor cristão supremo, logo a seguir ao valor da vida - o amor ao próximo, ou caridade.
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