26 fevereiro 2010

amor ao próximo ou caridade

Nenhum homem se torna uma verdadeira pessoa vivendo numa ilha deserta como Robinson Crusoé. Ele precisa dos outros para aprender com os outros, precisa dos outros para se diferenciar deles e formar a sua personalidade, precisa dos outros para realizar a sua vocação humana e divina. Daí o ênfase que a Doutrina Social da Igreja coloca na comunidade. As comunidades humanas existem, em última instância para servir a pessoa humana (Cat: 1881), e por isso cada homem "é devedor de dedicação às comunidades de que faz parte" (Cat: 1880).

Como é que se constitui uma comunidade, qual é o cimento que deve unir os membros de uma comunidade que pretenda constituir-se em bases sólidas e duradouras? A heresia protestante diz que é o interesse-próprio do indivíduo, que encontra a sua expressão nas modernas teorias contratualistas da sociedade baseadas em "O Contrato Social" de Rousseau. Adam Smith, o pai do liberalismo económico moderno, e contemporâneo de Rousseau, exprimiu a ideia na frase que é uma das mais citadas da sua obra: "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que podemos esperar o nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos seus próprios interesses. Apelamos não à sua humanidade, mas ao seu amor-próprio, e nunca falamos das nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter."
A Igreja Católica, pelo contrário, afirma que é o amor - o amor cristão ou caridade. E podia invocar, a este respeito, a primeira e mais importante das comunidades humanas - a família - que é fundada no amor, e não no interesse-próprio. Indo mais além, e perguntando ao padeiro de Adam Smith porque é que ele trabalhava e produzia pão, a resposta mais provável é a de que tinha lá em casa uma família para sustentar.
Não é possível fundar uma família sobre o interesse-próprio, e talvez por isso é que Adam Smith nunca fundou nenhuma. Nem Rousseau, apesar de ter tido cinco filhos. Na realidade, que interesse-próprio é que pode ter um pai em sustentar cinco filhos, anos a fio até eles se tornarem adultos? Nenhum. Por isso é que Rousseau não sustentou os seus, menos ainda a mãe deles, abandonando-os um a um, à medida que foram nascendo, à porta de uma instituição que cuidava de crianças pobres.
Nenhuma comunidade, a prazo, sobrevive se estiver fundada no interesse-próprio, ainda que contratualizado, porque a própria decisão de permanecer na comunidade, ou não, passa a depender, a todo o momento, de um cálculo de custos e benefícios, e a denúncia do contrato uma eventualidade permanente. Nem se pode esperar que alguém cuide do bem-comum da sociedade, se a sua relação com ela assume o carácter de uma mera transacção comercial. Se o interesse próprio dos fumadores de charutos prevalecer, a comunidade de Vilar de Papagaios descrita neste post vai desaparecer porque metade da sua população vai ter de emigrar para encontrar emprego.
Um homem, que seja um verdadeiro homem, e não um menino-mimado que só atende aos seus próprios interesses, reconhece que deve muito daquilo que é à família onde nasceu e às diferentes comunidades em que a sua pessoa se desenvolveu. Por isso, ele deve dedicação à comunidade, incluindo o dever de a proteger, porque a comunidade é, em primeiro lugar, um espaço de protecção recíproca. Um homem protege a sua mulher, e ela a ele, não por interesse próprio, mas por amor, e é ainda por amor que ambos protegem os filhos, e o irmão mais velho protege o irmão mais novo. O amor romântico, o amor paternal e maternal, o amor fraternal são aqui manifestações do amor cristão ao próximo, ou caridade.
Existe por isso um imperativo por parte de todos os homens de Vilar de Papagaios, e mais geralmente de todos os portugueses, para encontrarem uma solução que proteja o Sr. João, e mais a outra metade da população ameaçada pela importação mais barata de charutos da China. Para protecção imediata da comunidade de Vilar de Papagaios, e mais remotamente da própria comunidade portuguesa. Esse imperativo não resulta de qualquer cálculo económico baseado no interesse-próprio, mas daquele que é o valor cristão supremo, logo a seguir ao valor da vida - o amor ao próximo, ou caridade.


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