Nas últimas semanas, ocupei parte do meu tempo com dois livros relativos à história política portuguesa dos séculos XIX e XX. O primeiro, "Portugal, Ensaios de História e de Política" de Vasco Pulido Valente, que retrata o país desde as invasões francesas de 1807/1814 até ao 25 de Abril, dedicando vários capítulos ao conturbado período da I República. O segundo, "Como se levanta um Estado" de Salazar, que descreve a desordem económica, política e social que conduziu ao pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926 e que culminou no início do Estado Novo.
Várias vezes, neste blogue - e noutros, também - se tem discutido o provável fim da III República Portuguesa. E, de facto, de um ponto de vista político, resultante do descrédito popular que pende sobre a classe parlamentar, a República já conheceu melhores dias. Porém, não chegámos ainda ao extremo - ao caos - que se vivia entre 1911 e 1920. Ainda não tivemos levantamentos como o de 14 de Maio de 1915. E, que se saiba, os próprios parlamentares - tirando uma ou outra escaramuça verbal - também não chegaram ainda ao ponto de irem para o Parlamento armados. Ou seja, qualquer semelhança entre a Lisboa da segunda década do século XX e a Lisboa da primeira década do século XXI é mera ficção.
Contudo, há vida para além de Lisboa. E é no Portugal Profundo que, cada vez mais, se vislumbram sinais de instabilidade social e de violência, decorrentes da miséria em que, progressivamente, tudo o que não seja Lisboa mergulha dia após dia. Enfim, episódios, como este, que o Correio da Manhã relata com regularidade. Bem sei que uma andorinha não faz a Primavera, mas grão a grão enche a galinha o papo. Por isso, começo a entender a recente tentativa do PS em reintroduzir a Regionalização na agenda política do país. Das duas uma: ou se trata de uma medida genuína, a fim de reduzir as assimetrias económicas entre Lisboa e o resto do país; ou se trata de uma medida cínica, no sentido de apaziguar politicamente os azedumes de algumas regiões. De qualquer forma, genuína ou cínica, de um ponto de vista estratégico, é a melhor defesa da República.
A principal crítica que se pode fazer a esta República é a seguinte: existe um total alheamento da classe governante em relação ao que acontece 50 km's para lá (a norte, a sul e a este) da fronteira de Lisboa. São dois países dentro do mesmo país. E esse alheamento reflecte-se nas nossas estatísticas per capita. Assim, desta vez - e se nada mudar, o que talvez seja improvável -, ao contrário de 1926, o pronunciamento não será militar nem a sua base de apoio será urbana; a revolta será civil e com sede na periferia. E a palavra chave do governante que se seguir não será "(des)ordem", como outrora com Salazar, mas sim "oportunidade(s)". Porque o drama de hoje é mesmo esse: grande parte da nossa população não tem oportunidade; o país é politicamente, socialmente e economicamente desigual.
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