26 setembro 2009

com a mesma sinceridade


Eu apreciei a forma como decorreu a campanha eleitoral, com civismo por parte da população e civilidade entre os candidatos. Como o jornalista britânico citado aqui oberva "Por agora, uma estranha calma paira sobre a Península Ibérica".

Não foi uma campanha interessante do ponto de vista da discussão das ideias. Mas os portugueses não são fortes nesta matéria. Esta discussão teria começado pela questão "O que é que os portugueses pretendem que Portugal seja daqui por 10 ou 15 anos na economia, na saúde, na educação, na justiça, na segurança social, etc., ?" seguindo-se depois a apresentação e debate das diferentes propostas pelos diversos partidos. Não está na cultura nacional pôr este tipo de questões e muito menos responder-lhes. A campanha acabou a discutir ideias velhas (TGV, aeroporto, nacionalizações, etc.) e pessoas, que é aquilo que os portugueses gostam mais de fazer.

Uma campanha assente no debate de ideias teria, porém, sido largamente inútil. Portugal nunca mudou por força das ideias, mudou sempre por força das circunstâncias. E as circunstâncias que mais determinaram as mudanças em Portugal ocorreram quase sempre, em primeiro lugar, em Espanha. A Espanha pode bem vir a ser outra vez o melhor indicador avançado acerca do futuro próximo de Portugal.

O paralelismo entre a história de Portugal e a de Espanha é extraordinário, e ocorreu normalmente sob a liderança de Espanha. Os dois países atingiram o apogeu na mesma altura, finais do século XV, princípios do século XVI. Viveram monarquias absolutas semelhantes e tiveram a mesma e distintiva Inquisição - a muito vilipendiada Spanish Inquisition. O Protestantismo religioso nunca entrou nem num nem outro, permanecendo ambos bastiões do catolicismo mais ortodoxo. As suas revoluções liberais diferiram em doze anos apenas (1808 em Espanha, 1820 em Portugal). Curiosamente, o termo liberal foi cunhado em Espanha nessa altura, naquele que era, para além de Portugal, o país menos liberal da Europa Ocidental (no sentido anglo-saxónico em que o termo é hoje entendido).
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A história de Espanha ao longo do século XIX é a mesma convulsão permanente entre democracia e autoritarismo que se verificou em Portugal (A solução ao Quiz apresentado aqui é "Espanha", mas, com pequenos ajustamentos, poderia ser "Portugal"). A revolução republicana em Espanha (1873) antecipou em quase quarenta anos a revolução portuguesa (1910), mas lá como cá teve os mesmos efeitos desastrosos. Por essa altura, a Espanha abandonava as suas colónias da América Latina, e Portugal já tinha abandonado a sua.
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Depois foram as ditaduras duradouras, Salazar em Portugal, Franco em Espanha, as quais terminaram quase em simultâneo (Portugal: 1974; Espanha: 1975) apenas com uma diferença favorável a Espanha - Portugal não restaurou a monarquia -, mas uma diferença que representa um mero acidente devido às hesitações de Salazar. (Se Salazar tivesse casado com a Viscondessa de Asseca é praticamente certo que ela lhe teria dado a volta - e ele sabia isso, daí a sua hesitação.Quando ela estava disponível para casar, ele hesitou; mais tarde, quando ele a procurou, ela já não estava disponível). Durante o período democrático actual, a coincidência dos ciclos políticos é notável em relação aos principais primeiros-ministros em ambos os países: Felipe Gonzalez/Mário Soares, Aznar/Cavaco Silva, Zapatero/Sócrates.

Por isso, mais do que o resultado das eleições de amanhã, importa observar o que se vai passar em Espanha nos próximos tempos. A situação económica não é brilhante, lá pior do que cá, mas o caminho não é diferente. Nos anos 30 sabe-se no que isso deu. Uma das regularidades das histórias paralelas de Portugal e Espanha é a de que os portugueses e os espanhóis são tão capazes de hoje darem vivas à democracia como amanhã são capazes de as darem a um ditador. E com a mesma sinceridade.


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