Pedro Correia manifestou-se desagradado com a intervenção de Paulo Rangel na Universidade de Verão do PSD, na qual o deputado europeu defendeu, ao contrário do interveniente que o antecedeu, Marques Mendes, que “A política é autónoma da ética e a ética é autónoma da política”, remetendo depois para O Príncipe, de Maquiavel, a fundamentação do seu ponto de vista. Eu julgo que Paulo Rangel tem toda a razão e tentarei explicá-lo em três breves pontos.
Primeiro, a política corresponde a uma categoria essencial da natureza humana, omnipresente em todas as manifestações existenciais da espécie. Ela tem um domínio próprio, objectivos particulares e um critério que a distingue de todas as outras actividades humanas. Esse domínio é o poder, aquilo a que Julien Freund, no L’Essence du Politique, designava pela relação dialética do “comando” e da “obediência”. Os seus objectivos são o da conquista e preservação do poder de comando do estado. O critério distintivo baseia-se na dicotomia “amigo-inimigo”, que é o padrão pelo qual se separam as águas desse jogo muito particular.
Segundo, a ética consiste nos pressupostos do que deve ser um comportamento moralmente correcto e justo dos seres humanos. Tem padrões variáveis conforme as épocas e as circunstâncias, mas deve aferir-se, pelo menos para um liberal, pela observação dos direitos fundamentais dos indivíduos, que resultam do que acreditamos ser o direito natural. Deve prosseguir objectivos de justiça moral e de elevação pessoal. A ética é uma disciplina eminentemente individual, dependente da vontade, da razão e do juízo de cada ser humano. Não existem, por conseguinte, “éticas colectivas” ou grupais, que não sejam senão a simples adição dos juízos éticos singulares de cada um dos indivíduos que participam na decisão do grupo. Dessa adição nunca resulta uma ética própria, independente das dos indivíduos.
Terceiro e por último, o que o maquiavelismo ensina é que o comportamento político funda-se nas suas próprias regras e objectivos, e não exactamente nas de outras disciplinas do género humano, entre elas a ética. Esta lição, aparentemente incomodativa, foi de enorme utilidade ao espírito liberal e à constituição do Estado de Direito, este último, verdadeiramente limitador da potência bruta que é o poder político. Se não se tivesse essa ideia exacta do poder e da política seria desnecessário limitá-los por via do direito e da Constituição. Se o poder se auto-conformasse na e pela ética, não seriam necessários entraves e limites às suas manifestações sobre os homens. A relação do “comando” e da “obediência” seria, assim, pacífica e auto-regulada.
Por outras palavras e para concluir, o domínio do dever ser que é o da ética, não se confunde com a brutalidade do ser que é a realidade da política. Isto não significa, obviamente, que o comportamento ético não deva inspirar o comportamento dos políticos. Mas desilude-se frequentemente quem julga que esse é o critério utilizado na política para a tomada de decisões. Desconheço se o Dr. Marques Mendes alguma vez teve essa ilusão, ou se verdadeiramente nunca acreditou no que a esse propósito dizia em público. Os critérios da política levam-me a acreditar mais na segunda hipótese do que na primeira.
Primeiro, a política corresponde a uma categoria essencial da natureza humana, omnipresente em todas as manifestações existenciais da espécie. Ela tem um domínio próprio, objectivos particulares e um critério que a distingue de todas as outras actividades humanas. Esse domínio é o poder, aquilo a que Julien Freund, no L’Essence du Politique, designava pela relação dialética do “comando” e da “obediência”. Os seus objectivos são o da conquista e preservação do poder de comando do estado. O critério distintivo baseia-se na dicotomia “amigo-inimigo”, que é o padrão pelo qual se separam as águas desse jogo muito particular.
Segundo, a ética consiste nos pressupostos do que deve ser um comportamento moralmente correcto e justo dos seres humanos. Tem padrões variáveis conforme as épocas e as circunstâncias, mas deve aferir-se, pelo menos para um liberal, pela observação dos direitos fundamentais dos indivíduos, que resultam do que acreditamos ser o direito natural. Deve prosseguir objectivos de justiça moral e de elevação pessoal. A ética é uma disciplina eminentemente individual, dependente da vontade, da razão e do juízo de cada ser humano. Não existem, por conseguinte, “éticas colectivas” ou grupais, que não sejam senão a simples adição dos juízos éticos singulares de cada um dos indivíduos que participam na decisão do grupo. Dessa adição nunca resulta uma ética própria, independente das dos indivíduos.
Terceiro e por último, o que o maquiavelismo ensina é que o comportamento político funda-se nas suas próprias regras e objectivos, e não exactamente nas de outras disciplinas do género humano, entre elas a ética. Esta lição, aparentemente incomodativa, foi de enorme utilidade ao espírito liberal e à constituição do Estado de Direito, este último, verdadeiramente limitador da potência bruta que é o poder político. Se não se tivesse essa ideia exacta do poder e da política seria desnecessário limitá-los por via do direito e da Constituição. Se o poder se auto-conformasse na e pela ética, não seriam necessários entraves e limites às suas manifestações sobre os homens. A relação do “comando” e da “obediência” seria, assim, pacífica e auto-regulada.
Por outras palavras e para concluir, o domínio do dever ser que é o da ética, não se confunde com a brutalidade do ser que é a realidade da política. Isto não significa, obviamente, que o comportamento ético não deva inspirar o comportamento dos políticos. Mas desilude-se frequentemente quem julga que esse é o critério utilizado na política para a tomada de decisões. Desconheço se o Dr. Marques Mendes alguma vez teve essa ilusão, ou se verdadeiramente nunca acreditou no que a esse propósito dizia em público. Os critérios da política levam-me a acreditar mais na segunda hipótese do que na primeira.
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