06 julho 2009

ideias


Portugal e Espanha foram os únicos países da Europa que, desde a Reforma Protestante do século XVI, ficaram isolados da influência do protestantismo, e que lideraram a reacção conservadora a esse movimento revolucionário que viria a ter as suas consequências filosóficas no Iluminismo, e políticas na Revolução Francesa. Aos olhos dos europeus, a Península Ibérica passou a representar o centro do conservadorismo e do reaccionarismo.
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E não sem razão. Das ideias políticas, filosóficas e científicas que contribuiram para melhorar drasticamente a vida humana nos últimos séculos, não houve uma só com origem na Pensínsula Ibérica, nem nos descendentes dos países ibéricos na América Latina. Nos países onde a Igreja Católica exerceu a sua influência praticamente em regime de monopólio, uma regularidade parece ter emergido - a sua extraordinária capacidade para impedir a discussão das ideias ou para as matar à nascença.
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Num post anterior listei os factores que, na minha opinião, isoladamente ou em conjunto, contribuem para matar toda a discussão racional. Estarão eles presentes ou derivam da maneira como na religião católica, as pessoas se relacionam com Deus? A resposta parece-me afirmativa e sem margem para erro.
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Os povos católicos, com excepção de uma sua muito pequena minoria (o clero) nunca aprenderam lendo, investigando, estudando e meditando, como fizeram os povos protestantes através do ênfase que colocaram na Bíblia para conhecer a verdade de Deus. Os povos católicos tudo o que sabem é porque ouviram dizer (inicialmente e durante muitos séculos, ao padre). Não existem no Ocidente pessoas mais propensas a emprenhar pelos ouvidos do que aquelas que foram nascidas e criadas numa cultura exclusivamente católica. Tudo o que sabem foi porque alguém lhes disse - inicialmente e durante muitos séculos, o padre, hoje também o amigo, o professor, o pai, o patrão, o chefe do partido ou o ministro das finanças. Procurar a verdade por si próprios, investigando, lendo, estudando, e chegar a uma versão da verdade que faça sentido à sua inteligência, mesmo que seja distinta da verdade oficial, bater-se por essa verdade e ter coragem para a assumir é algo que não se coaduna com a cultura de um povo católico.
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A principal revolução que o protestantismo introduziu no cristianismo foi, talvez, o relacionamento directo do homem com Deus, acabando com a intermediação dos padres. Ora, Deus só existe como ideia, e daí o apreço dos protestantes pelas ideias. Mais ainda. Para conceber Deus, que só existe como ideia, é necessário um considerável esforço de abstracção, e esta capacidade de abstração é porventura uma das marcas distintivas da cultura protestante, e que está ausente da cultura católica.
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Na cultura católica, o homem não se relaciona directamente com Deus. Relaciona-se com outros homens - os padres. Daí a tendência na cultura católica para pessoalizar todas as questões e a sua propensão para o argumento ad hominem, que é mais uma arma letal contra o debate racional das ideias.

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