13 julho 2009

herege


“...de acordo com a concepção que possuo de que a Economia é um ponto de vista sobre a realidade” – PA
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É curiosa esta observação. A minha percepção é que a Economia é uma ciência ética. É uma ciência que tenta racionalizar a moral (ou discutir racionalmente a moral). Tanto quanto sei era essa a visão da Economia clássica. Esses clássicos não deviam estar muito errados pois parece que todas as pessoas, seja qual fôr a sua classe social ou formação académica, são capazes de “discutir” Economia.
D. CostaAnonymous 07.13.09 - 6:42 pm #

A Economia emergiu da Filosofia, e mais especificamente da Moral. O primeiro economista, Adam Smith, era professor de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. O seu primeiro livro tinha o título "A Teoria dos Sentimentos Morais" e o segundo, que viria a ser considerado o livro fundador da Economia, "A Riqueza da Nações - Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações" (1776) foi publicado como um livro de Filosofia Moral. O autor ficaria muito surpreendido se ressuscitasse e lhe dissessem que o livro é hoje considerado o primeiro Tratado de Economia. Foi assim nos países protestantes.
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Sendo a Economia uma ciência eminentemente protestante (a Escócia de Adam Smith e do seu amigo David Hume era na altura, talvez, o país mais protestante entre os protestantes), que punha ênfase nos processos sociais espontâneos, como o mercado, e sancionava a sua moralidade e a sua contribuição para o bem comum (é esse o objectivo de Adam Smith), e dispensava a autoridade, nos países católicos sempre foi considerada uma ciência herege e ofensiva à sua cultura. Ainda hoje é. A Economia surgiu em Portugal através do Direito (Salazar é o caso de um jurista especializado em Finanças Públicas) e foi desta maneira que a cultura católica aculturou a Economia. Fazendo-a depender do Direito, os processos económicos que eram estudados eram aqueles que eram instituidos pela autoridade. Em lugar do ênfase nos processos espontâneos que deu origem ao nascimento da Economia, na cultura católica o ênfase foi colocado nos processos instituídos pelo Estado, o que tirou à disciplina todo o interesse e fez do típico economista português um contabilista da fazenda pública.
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O primeiro curso de Economia em Portugal só foi criado no tempo do Estado Novo (ISCEF, Lisboa) e o segundo já na década de 50 (Porto), século e meio depois de a disciplina ter nascido e conhecendo já um extraordinário desenvolvimento nos países protestantes (David Ricardo, John Stuart Mill, Marx, Bohm Bawerk, William Stanley Jevons, Carl Menger, Alfred Marshall, Keynes, etc.). Estes primeiros cursos de Economia em Portugal formavam um misto de juristas e contabilistas, uma tradição que largamente se mantém, e os seus programas abundavam em disciplinas de Direito e de Contabilidade.
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As contribuições inovadoras principalmente de Gary Becker (mas também de outros como Ronald Coase e James Buchanan), com a sua incursão na economia da família, do crime e da lei, vieram criar um novo paradigma, que é o de olhar a Economia como um ponto de vista sobre a realidade social. Este paradigma consiste em olhar os processos e as instituições sociais (vg., família, lei, religião), sob a perspectiva de comportamentos individuais que visam maximizar a diferença entre benefícios e custos. Assim, por exemplo, o casamento pode ser analisado do ponto de vista jurídico e do ponto de vista religioso. Pode também ser analisado de ponto de vista económico em que os participantes entram na relação visando maximizar os benefícios (v.g., emocionais, de procriação, materiais ou outros) face aos custos (vg., perda de liberdade, custo de sustentar a família, etc.). Foi neste sentido que o falecido George Stigler, também ele Prémio Nobel da Economia, afirmou que Gary Becker pode bem ficar para a história como tendo criado uma nova ciência social, a qual representaria uma espécie de imperialização da Economia sobre todas as ciências sociais.
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Escusado será dizer que esta perspectiva da Economia, como a perspectiva original de Adam Smith que sancionava a moralidade e o benefício público dos processos sociais espontâneos (a mão invisível do mercado) é extraordinariamente impopular nos países católicos. Por isso, nunca nenhum país de cultura exclusivamente católica produziu um Prémio Nobel da Economia. (Para ganhar o Nobel, o candidato vai ter de se fazer insultar durante toda a vida, vai ser marginalizado e excluído, e pode vir a ser considerado louco. Não é certo que sobreviva ou que consiga ganhar a vida. O economista puro, na perspectiva de Becker, é, para a cultura católica, o herege por excelência. E a cultura católica não tolera hereges - na realidade, essa é a última coisa que ela tolera).

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