Se um problema existiu e que mais contribuiu para a emergência do movimento do Protestantismo no século XVI, esse problema - o das indulgências - foi aquele que deu origem ao Princípio protestante da "Sola Gratia".
O problema central da doutrina - às vezes referida como doutrina da justificação - é o seguinte: "Quem me pode perdoar os pecados, a fim de que eu possa conquistar a vida eterna?"
"Nós! (através do sacramento da penitência)", responde a Igreja Católica.
"Não!", dizem os Protestantes, "Só Deus o pode fazer, através da Sua graça (Sola Gratia)".
Se eu sou protestante, então, eu sei que todos os pecados que cometer neste mundo, terei de os justificar directamente perante Deus no Dia do Juizo Final, e só pela Sua graça poderei obter perdão. Se, pelo contrário, sou católico, eu posso recorrer à Igreja, arrependendo-me, confessando-me, penitenciando-me e obtendo o perdão, pelo caminho pagando um preço em termos de orações, jejuns, peregrinações e esmolas e ficando, assim, com o cadastro limpo.
Para fazer justiça à doutrina católica, deve dizer-se que, em última instância, para esta doutrina a justificação só se obtém pela graça divina (Cat.: 1441). Mas é só em última instância porque, de acordo ainda com a doutrina católica, Deus delegou esse poder na Igreja (Cat.: 1442). Os padres aparecem assim como intermediários entre o homem e Deus na remissão dos pecados, ao passo que na doutrina protestante não existem intermediários e a justificação é um assunto tratado directamente entre cada homem e Deus.
Duas consequências importantes resultam daqui e que ainda hoje são marcas distintivas entre a cultura católica e a cultura protestante. A primeira é a instituição da cunha (ou do dar um jeito, na versão preferida dos brasileiros), que é uma instituição distintamente católica e praticamente inexistente nos países de tradição protestante. Na realidade, enquanto na tradição protestante (Sola Gratia), um homem terá de justificar todos os seus pecados perante Deus e só a Sua Graça lhos pode perdoar, na tradição católica também é assim, mas só em última instância. Antes de o assunto chegar a Deus, é função dos padres interceder junto d'Ele - isto é, meter uma cunha - pelo pecador. A decisão última pertence a Deus, mas a Igreja e o clero estão lá para dar um jeito.
Mesmo se as sociedades se tornaram modernamente mais seculares e a importância da religião diminuiu, a instituição da cunha está de tal modo impregnada nos países da tradição católica que ela é, a grande distância de todas as outras, a maior fonte de corrupção nestes países, e os pais desta instituição não são os políticos, mas os padres da Igreja Católica. Se os padres metem cunhas a Deus para me conceder favores, porque razão não hei-de eu meter uma cunha ao meu sobrinho que é ministro para adjudicar um contrato a uma empresa amiga, ou para arranjar um emprego lá no ministério para a minha filha? Que mal tem isso?
A segunda consequência é ainda mais gravosa. A doutrina protestante da Sola Gratia emite um aviso severo aos crentes: "Não cometas pecados, porque vais ter de os justificar todos perante Deus". A doutrina católica é muito mais flexível. Para efeitos práticos, a mensagem da Igreja é a seguinte: "Não deves, em princípio, cometer pecados. Mas se os cometeres, bom, nesse caso, vem ter connosco que nós resolvemos-te o assunto, limpando-te o cadastro por um pequeno preço (tantas orações, uns quantos dias de jejum e mais um certo número de euros na caixa das esmolas".
Daqui resulta o rigorismo ético do Protestantismo em comparação com a flexibilidade ética do catolicismo, caracterizada pelo ciclo católico do pecado, arrependimento, confissão penitência e perdão ... seguido de novo pecado. Mentir, não cumprir a palavra dada ou os contratos, desrespeitar ou insultar os outros, utilizar dinheiros alheios em proveito próprio são tudo pecados que o homem protestante um dia terá de justificar directamente perante Deus. O homem católico, não. Basta ir à Igreja, cumprir uma série de formalidades, que incluem o pagamento de um preço em dinheiro ou em espécie, e fica com o cadastro limpo. De tal maneira que, no dia seguinte, pode voltar a mentir, não cumprir a palavra dada e os contratos, insultar os outros, etc.
Num post anterior referi-me ao extraordinário liberalismo (ou permissividade) de acção que é típico das sociedades católicas, onde vale tudo e tudo é permitido, incluindo cometer pecados, com excepção, talvez, daqueles que envolvem a violência física. A razão é que nestas sociedades sempre esteve por perto quem, por um pequeno preço, estivesse pronto a perdoar-me os pecados ou a meter uma cunha a Deus pela minha salvação. Esta extraordinária permissividade ética do catolicismo, como deixei antever, representa um enorme ónus à realização da democracia, da justiça e do progresso económico, e não surpreende por isso que, em todas estas frentes, os países de tradição católica tenham demonstrado, ao longo dos últimos séculos, um desempenho marcadamente inferior quando comparados com os países de tradição protestante.
O problema central da doutrina - às vezes referida como doutrina da justificação - é o seguinte: "Quem me pode perdoar os pecados, a fim de que eu possa conquistar a vida eterna?"
"Nós! (através do sacramento da penitência)", responde a Igreja Católica.
"Não!", dizem os Protestantes, "Só Deus o pode fazer, através da Sua graça (Sola Gratia)".
Se eu sou protestante, então, eu sei que todos os pecados que cometer neste mundo, terei de os justificar directamente perante Deus no Dia do Juizo Final, e só pela Sua graça poderei obter perdão. Se, pelo contrário, sou católico, eu posso recorrer à Igreja, arrependendo-me, confessando-me, penitenciando-me e obtendo o perdão, pelo caminho pagando um preço em termos de orações, jejuns, peregrinações e esmolas e ficando, assim, com o cadastro limpo.
Para fazer justiça à doutrina católica, deve dizer-se que, em última instância, para esta doutrina a justificação só se obtém pela graça divina (Cat.: 1441). Mas é só em última instância porque, de acordo ainda com a doutrina católica, Deus delegou esse poder na Igreja (Cat.: 1442). Os padres aparecem assim como intermediários entre o homem e Deus na remissão dos pecados, ao passo que na doutrina protestante não existem intermediários e a justificação é um assunto tratado directamente entre cada homem e Deus.
Duas consequências importantes resultam daqui e que ainda hoje são marcas distintivas entre a cultura católica e a cultura protestante. A primeira é a instituição da cunha (ou do dar um jeito, na versão preferida dos brasileiros), que é uma instituição distintamente católica e praticamente inexistente nos países de tradição protestante. Na realidade, enquanto na tradição protestante (Sola Gratia), um homem terá de justificar todos os seus pecados perante Deus e só a Sua Graça lhos pode perdoar, na tradição católica também é assim, mas só em última instância. Antes de o assunto chegar a Deus, é função dos padres interceder junto d'Ele - isto é, meter uma cunha - pelo pecador. A decisão última pertence a Deus, mas a Igreja e o clero estão lá para dar um jeito.
Mesmo se as sociedades se tornaram modernamente mais seculares e a importância da religião diminuiu, a instituição da cunha está de tal modo impregnada nos países da tradição católica que ela é, a grande distância de todas as outras, a maior fonte de corrupção nestes países, e os pais desta instituição não são os políticos, mas os padres da Igreja Católica. Se os padres metem cunhas a Deus para me conceder favores, porque razão não hei-de eu meter uma cunha ao meu sobrinho que é ministro para adjudicar um contrato a uma empresa amiga, ou para arranjar um emprego lá no ministério para a minha filha? Que mal tem isso?
A segunda consequência é ainda mais gravosa. A doutrina protestante da Sola Gratia emite um aviso severo aos crentes: "Não cometas pecados, porque vais ter de os justificar todos perante Deus". A doutrina católica é muito mais flexível. Para efeitos práticos, a mensagem da Igreja é a seguinte: "Não deves, em princípio, cometer pecados. Mas se os cometeres, bom, nesse caso, vem ter connosco que nós resolvemos-te o assunto, limpando-te o cadastro por um pequeno preço (tantas orações, uns quantos dias de jejum e mais um certo número de euros na caixa das esmolas".
Daqui resulta o rigorismo ético do Protestantismo em comparação com a flexibilidade ética do catolicismo, caracterizada pelo ciclo católico do pecado, arrependimento, confissão penitência e perdão ... seguido de novo pecado. Mentir, não cumprir a palavra dada ou os contratos, desrespeitar ou insultar os outros, utilizar dinheiros alheios em proveito próprio são tudo pecados que o homem protestante um dia terá de justificar directamente perante Deus. O homem católico, não. Basta ir à Igreja, cumprir uma série de formalidades, que incluem o pagamento de um preço em dinheiro ou em espécie, e fica com o cadastro limpo. De tal maneira que, no dia seguinte, pode voltar a mentir, não cumprir a palavra dada e os contratos, insultar os outros, etc.
Num post anterior referi-me ao extraordinário liberalismo (ou permissividade) de acção que é típico das sociedades católicas, onde vale tudo e tudo é permitido, incluindo cometer pecados, com excepção, talvez, daqueles que envolvem a violência física. A razão é que nestas sociedades sempre esteve por perto quem, por um pequeno preço, estivesse pronto a perdoar-me os pecados ou a meter uma cunha a Deus pela minha salvação. Esta extraordinária permissividade ética do catolicismo, como deixei antever, representa um enorme ónus à realização da democracia, da justiça e do progresso económico, e não surpreende por isso que, em todas estas frentes, os países de tradição católica tenham demonstrado, ao longo dos últimos séculos, um desempenho marcadamente inferior quando comparados com os países de tradição protestante.
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