21 junho 2009

Solus Christus


Neste post pretendo fundamentar a tese de que os países católicos são consideravelmente menos cristãos do que os países protestantes, uma tese que já deixei antever no post anterior quando me referi à flexibilidade ética do catolicismo em comparação com o rigorismo protestante.

Para tanto, faço uso de uma outra diferença fundamental entre catolicismo e protestantismo, ainda no âmbito da doutrina da justificação. A questão é a seguinte: "O que devo fazer para ser um bom cristão?".

"Só serás um bom cristão pela fé em Cristo (Sola Fides), imitando na tua vida diária os comportamentos de Cristo e seguindo à risca os seus preceitos (Solus Christus)", respondem os Protestantes.

Esta resposta é de uma exigência considerável. A razão é que vida de Cristo e os seus preceitos são muito difíceis de cumprir. A moral cristã é uma moral subversiva e revolucionária para o seu tempo, e mantém-se assim nos tempos de hoje, porque é uma moral baseada no altruísmo e no amor ao próximo, quando, na realidade, os homens são naturalmente egoístas. Amar os outros como a mim mesmo, fazer aos outros aquilo que gostaria que os outros me fizessem a mim, oferecer a segunda face quando me baterem na primeira, são preceitos que só com muita dificuldade o homem comum consegue cumprir.

A resposta católica à mesma questão é mais flexível. A Igreja não nega, e até apela também, a que um homem justifique o seu cristianismo pela fé em Cristo e pela imitação da sua vida e da sua obra, mas junta-lhe uma segunda componente que é muito mais fácil de cumprir, a saber, ser cristão é receber os sacramentos administrados pela própria Igreja: Baptismo, Confirmação, Eucaristia, Penitência, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimónio.

Quando me é dada a escolha entre ser cristão imitando a vida de Cristo ou ser cristão submetendo-me a certos procedimentos formais, ou rituais, administrados pela Igreja - os sacramentos -, eu escolho a segunda via, e é esta a via que escolhe a esmagadora maioria das pessoas, porque é a via mais fácil. Faço-me baptizar a mim e aos meus filhos, vou à catequese e faço a comunhão, comungo todos os domingos na missa, caso pela Igreja, etc. Pronto, sou cristão. Tratar bem os outros na minha vida diária, ajudar os pobres, usar de boa fé nos meus negócios diários, ser verdadeiro, etc. - isto é, a própria essência do cristianismo -, tudo isso passa para segundo plano, em benefício de uma religiosidade que é feita de formalidades e de aparências.

Numerosos observadores oriundos de países de tradição protestante ficam surpreendidos pela falta de religiosidade das populações católicas nos seus comportamentos diários. Por detrás das aparências e das formalidades, não observam vestígios de cristianismo nos comportamentos diários destas populações. Ficam surpreendidos, por exemplo, com a falta de consideração que as pessoas manifestam umas pelas outras (vg., no trânsito, na sua crónica falta de pontualidade, nas observações amesquinhantes, quando não insultuosas, acerca dos outros), pela falta de confiança nas relações interpessoais, pela sua aversão e falta de disciplina no trabalho, pela ausência de filantropia, pela sua relutância em cooperar com os outros em assuntos de interesse comum, pela sua propensão a violar as leis e a serem batoteiros, pelo seu egoísmo exacerbado de meninos-mimados, etc., enfim, por todos os comportamentos que são muito pouco cristãos, na realidade, que são exactamente opostos aos preceitos do cristianismo.

Pelo contrário, para os observadores oriundos de países católicos que visitam países protestantes, aquilo que surpreende é a profunda religiosidade que a população exibe nos mais pequenos detalhes da sua vida diária, a consideração e o respeito pelos outros, a filantropia, a boa-fé nos negócios diários, a capacidade para estender a mão ao desconhecido, o respeito pelas leis, a confiança nas relações interpessoais, a tolerância e abertura a receber estranhos no seu país, o seu optimismo e alegria de viver. Alexis de Tocqueville, um católico devoto, considerou a profunda religiosidade do povo americano como o sustentáculo principal do êxito da democracia naquele país, para não falar, claro, da excelência da sua justiça e do seu progresso económico. Eu penso que ele tinha razão.

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