"Para fugir aos naturais enviesamentos da forma como nos olhamos a nós próprios, é sempre útil procurar ver-nos no espelho do olhar dos outros (...) O olhar de dentro de Teixeira de Pascoaes ajuda, talvez, a compreender melhor, e a relativizar o olhar de fora de Kapuscinski e a sua sentença de "individualistas empedernidos". Os portugueses têm, de facto, sinais comportamentais que não facilitam a sua organizada inserção comunitária. Daí, provavelmente, a frase que sobre os nossos antecessores Lusitanos é atribuída a Gaius Julius Caesar (110-44 aC): "há nos confins da Ibéria um povo que nem se governa nem se deixa governar". Mas não creio que o português típico - se é que existe essa figura - apesar de desorganizado e ter pouca disponibilidade para cooperar com os outros, seja especialmente dotado para afirmar e assumir a sua individualidade. (...) Por isso tenho alguma simpatia por uma interpretação baseada na tese que Michael Oakeshott (*) sustentou, em 1958, nas suas Conferências de Harvard. (...) De um lado (...) a "moralidade da individualidade" (...) de outro lado (...) a "moralidade do colectivismo". (...) Assim e à luz desta tese de Oakeshott, creio ser mais razoável identificar o "carácter" dos portugueses com a moralidade do segundo tipo de governados. Aliás, o que o filósofo José Gil escreveu, a dado passo do livro, "O Medo de Existir", tende a reforçar a interpretação que aqui partilho."
Bento, Vítor (2009). Perceber a crise para encontrar o caminho. Lisboa: Bnomics.
(*) Para mais acerca do pensamento de Michael Oakeshott leiam o ensaio de João Carlos Espada publicado este fim de semana no "i".
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