24 abril 2009

Uma brincadeira


Carta enviada ao Director do Público, por Paulo Carvalho, e publicada na edição do passado domingo:


CARTAS AO DIRECTOR 19.04.2009


E os parlamentares escandalizaram os alunos...Não deve haver semana em que a Assembleia da República não receba a visita de centenas de alunos, provenientes de todos os cantos do país, sob a orientação de seus professores, com o objectivo de observar in loco o funcionamento desse órgão fundamental da democracia que é o Parlamento.

Se para qualquer cidadão português adulto tal visita deveria constituir quase um dever cívico, tratando-se de crianças, adolescentes e jovens em formação, essa visita assume uma importância inquestionável. Foi com estes pressupostos que, conjuntamente com alguns colegas meus, professores, acompanhei cerca de cem alunos há dois dias a uma sessão parlamentar. Acresce dizer que os alunos em causa se debruçam presentemente, na disciplina de Filosofia, sobre conteúdos programáticos relativos ao Estado, ao Direito, à Justiça e às funções das instituições civis, pelo que estavam particularmente despertos para o que se iria passar.

Advertidos de que não se poderiam manifestar nas galerias, nem a favor nem contra, sobre as matérias em apreço, mantiveram-se em silêncio, bastante mais atentos do que em muitas aulas. E a que é que assistiram? À intervenção sequencial dos oradores de cada partido e, simultaneamente, a um número enorme de deputados completamente alheios ao discurso do orador, conversando descontraídos uns, gargalhando outros, telefonando ainda outros, dormitando um, meia dúzia dando as costas ao orador, imensos olhando o ecrã do computador em frente, distraídos no Messenger, no Twiter, nos blogues (no Mini-saia, sobre unhas, observou alguém), no e-Bay, vendo fotos de família, etc., enfim, aquilo que alunos e professores conhecem como "uma turma mal comportada". Aliás, extremamente mal comportada.

Claro que, enquanto cidadãos atentos, os professores não ficaram propriamente surpreendidos (alguns porque já lá tinham estado, todos porque acompanham pelos media a vida parlamentar); indignados ficaram, mas não surpreendidos. Os alunos, porém, à saída, faziam questão de manifestar o seu escândalo, deixando aos professores pouco espaço de manobra para justificar o injustificável.

De facto, não há "figurino do aparte" ou "funcionamento do Parlamento por comissões" que possa escamotear a simples falta de respeito pelo outro (escutar o interlocutor é o mínimo exigido para quem pretende contra-argumentar), quanto mais as faltas de sentido de Estado e de civismo, ou a inqualificável falta de responsabilidade de quem se sabe observado por crianças e adolescentes que serão os futuros cidadãos eleitores deste país e, mesmo assim, tem a postura que tem! Estavam a ser tomadas decisões importantes para o futuro daqueles alunos (no caso, as limitações impostas aos órgãos de Comunicação Social), mas, devido ao péssimo exemplo dos deputados em causa, o conteúdo passou ao lado da maioria desses alunos.

No entanto, é sabido que, naquele contexto, a forma é quase tão importante quanto a substância: com o exibicionismo de uma tal atitude autista e cínica, apostada para mais em realçar somente diferenças e incapaz de chegar à etapa das concessões e dos consensos, ninguém acredita que se trabalhe ali para o bem comum. Aqueles alunos, pelo menos, não acreditaram. E pior: talvez não venham alguma vez a acreditar nisso...

Obrigado, senhores deputados!

Paulo Carvalho, Sintra

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