07 abril 2009

sem saída


Quando passeamos pelas principais ruas de Lisboa e do Porto, pelo menos, vemos constantemente os nomes dos homens que pertenceram à Geração de 70. Muitas escolas possuem mesmo os seus nomes. Julgo que essa homenagem é francamente exagerada. Encontram-se entre eles alguns bons poetas (v.g., Antero), alguns bons romancistas (v.g., Eça), alguns bons historiadores (v.g., Herculano). Não se encontra em nenhum deles um pensador original.

Estes homens, na sua generalidade, estavam interessados em condenar a sociedade portuguesa e os portugueses através de um julgamento sumário e cuja sentença tinha sido decidida a priori. O livro de Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, a que fiz referência em post anterior é disso um exemplo, e As Farpas de Ramalho e Eça não são diferentes. Estes homens não deixaram uma ideia que fosse que tivesse ajudado Portugal a sair da situação em que se encontrava, que era a do embate das ideias da modernidade trazidas do norte de Europa com as estruturas tradicionais portuguesas.

Não apenas isso. A actividade intelectual destes homens contribuiu para lançar o país naquele que foi muito provavelmente o pior período da sua história - a Primeira República - e um deles, Teófilo Braga, foi mesmo o primeiro Presidente da República Portuguesa. Na biografia que escreveu sobre Ramalho, Eça de Queiroz pôs a questão: "Há aqui doze anos apareceu, vinda em parte de Coimbra, parte daqui, parte de acolá, uma extraordinária geração: educada fora do catolicismo e do romantismo, ou tendo-se emancipado deles, reclamando-se exclusivamente da Revolução e para a Revolução. Que tem feito ela?".

Em termos sociais, a resposta é - fez destruição. É sintomático da falta da julgamento desta geração a que Eça pertencia que ele a considerasse extraordinária. É ainda mais sintomático dessa falta de julgamento que essa geração se considerasse educada fora do catolicismo porque não houve geração recente tão católica na sua cultura e, principalmente, nos defeitos dessa cultura como ele própria.

Como é próprio da cultura católica essa geração afirmou-se dizendo mal de tudo e de todos à sua volta sem sentir a mínima responsabilidade em contribuir para curar aquilo que estava mal. Como é ainda próprio da cultura católica, foi ao estrangeiro buscar a verdade - as ideias da democracia, do socialismo e do republicanismo porque se bateu. Não produziu uma única ideia original para Portugal, em parte porque nunca cuidou de julgar imparcialmente o país e esta falta de imparcialidade é ainda, e mais uma vez, típica da cultura católica. Finalmente, depois de dizerem mal de Portugal e do povo português, acabaram todos - com a excepção de Antero -, a viver em empregos do Estado à custa do povo português que tanto abominavam.

No Portugal Contemporâneo a falta de julgamento de Oliveira Martins é atroz. Quando o livro foi escrito, Portugal tinha já mais de setecentos anos de história. Quem o ler, porém, ficará a perguntar-se como é que um povo daqueles conseguiria sobreviver um século que fosse, quanto mais sete. O livro é, em si, uma grande injustiça a Portugal e aos portugueses, como é, em sentido contrário, uma injustiça em relação à Inglaterra, à Áustria e à França.

De toda a Geração de 70, os melhores espíritos eram na minha opinião Herculano e Antero. Não deixa de ser irónico que um se tivesse isolado e o outro se tivesse suicidado. Terão sido os únicos a reconhecer que o julgamento que fizeram de Portugal e dos portugueses era injusto e que viviam intelectualmente num beco sem saída. Mas agora, com a vida toda hipotecada com um julgamento injusto, não havia mais nada a fazer, senão a auto-flagelação. Ramalho Ortigão também reconheceu o erro e acabou por se tornar um conservador.

Aquilo que faz ainda hoje mais falta aos intelectuais portugueses é julgamento, uma avaliação imparcial daquilo que há de bom no país e aquilo que há de mau. Eu tenho procurado sugerir um caminho para essa avaliação. Aquilo que há de bom encontra-se principalmente na esfera privada, nas instituições em que todos se conhecem, como a família, o grupo de amigos, o emprego, a paróquia, a vizinhança e a freguesia. Aquilo que há de mau encontra-se sobretudo na esfera pública - na política e nas instituições - e resulta largamente de os portugueses transportarem sem julgamento as suas virtudes da esfera privada para a esfera pública.

Se eu oferecer um emprego na minha empresa a um amigo em dificuldades, todos me louvarão por isso. Mas esta boa acção torna-se uma má acção, se estando à frente de um departamento do Estado, eu proceder de igual modo. Como o próprio Oliveira Martins notou, e aqui ele não estava errado, Portugal é um país imensamente liberal. "Talvez em parte alguma da Europa estas consequências do individualismo sejam tão visíveis como em Portugal ... País nenhum da Europa é, com efeito, neste sentido, mais liberal: se até o clero entre nós é progressista!"
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É o imenso liberalismo de Portugal e dos portugueses na esfera privada que, quando transportado sem freios para a esfera pública, converte o país no caos que Oliveira Martins observava e que nós agora voltamos a observar outra vez. Ao reclamar a democracia, a república, a livre expressão das ideias, Oliveira Martins estava a lançar mais achas para a fogueira. Ele próprio não era um democrata, como argumentei no meu post anterior. Os portugueses, maciçamente, não são democratas. Oliveira Martins e os da sua geração laboraram permanentemente num erro que era um beco sem saída.

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