Num post anterior, escrevi que o Canadá é um país imensamente decente. Gostaria hoje de precisar o significado do que então escrevi. O que é isso de ser um país imensamente decente?
O Canadá é um dos países mais ricos do mundo e um dos membros do G-7. Em termos de extensão, logo a seguir à Rússia, é mesmo o segundo maior país do mundo. Porém, raramente alguém nota que ele existe. Dificilmente as declarações de algum membro do governo canadiano fazem as manchetes da imprensa internacional. O facto de fazer fronteiras com um poderoso vizinho poderia dar-lhe ocasionalmente motivos para afirmar a sua voz. Nunca o faz em público e quando o faz é sempre discretamente e em privado.
Estes sinais de discrição na política externa do Canadá, e que são ainda mais intensos na sua vida interna, deixam talvez antever a razão principal porque o Canadá é um país imensamente decente. A razão é que o Canadá é um país que não humilha ninguém e onde ninguém é humilhado. É esta a razão da sua decência. Quem tiver um problema no Canadá, por exemplo, uma pessoa ou um grupo em conflito de interesses com outras pessoas ou grupos, e possuir um módico de razão, pode estar certo que as instituições canadianas lhe vão dar razão até ao limite desse módico. Mas - o que é mais importante - as instituições canadianas vão igualmente dar razão às outras pessoas ou grupos, até ao montante das suas respectivas razões, de tal modo que no final do processo todos saem com a sua parte, e ninguém que tenha razão sai de mãos vazias. Por outras palavras, ninguém sai humilhado.
É este sentido de justiça (fairness) que torna o Canadá um país onde as relações sociais são agradáveis, onde a cooperação entre as pessoas é fácil, e esta é talvez a principal razão do seu extraordinário progresso económico. No Canadá não há pessoas humilhadas, logo não há pessoas ressentidas. O próprio país torna-se, por causa disso, um excelente parceiro na cena internacional porque ninguém o ressente e ele não ressente ninguém.
Um excelente exemplo - mas não o único - de como funciona o Canadá foi-me dado observar ainda durante os anos 80. Uma certa efervescência nacionalista no Québec levou então uma parte da opinião pública desta Província francófona a desejar separar-se do resto do Canadá. O Québec é a única Província francófona do Canadá e representa mais de 20% da população total do país?
Como reagiu o Governo Federal? Se fosse em Espanha ou em Portugal mandava-se para lá as tropas e acabava-se com o assunto, mas pelo caminho tinham-se humilhado os nacionalistas e adquirido um problema para a vida (como acontece em Espanha). A resposta do Governo Federal do Canadá às pretensões do povo e do Governo Provincial do Québec que liderava o movimento nacionalista foi muito diferente. Foi assim: "Façam lá um referendo e decidam lá isso, que a gente espera".
O referendo foi feito e ganhou o Não à separação. No final dos anos 90 a experiência foi de novo repetida e voltou a ganhar o Não. Ninguém foi humilhado, ninguém está ressentido. O Québec continua a fazer parte do Canadá - é essa a vontade maioritária da sua população. E se um dia se fizer um novo referendo e ganhar o Sim? Bom, nesse dia, o Québec separa-se do resto da Canadá e o Governo Federal vai cooperar para que a separação se faça nos melhores termos possíveis. Ninguém sairá humilhado.
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