03 março 2009

a intolerância radical


Portugal é um país de cultura profundamente católica e a cultura católica funda-se na ideia suprema da verdade. Por isso, esta cultura não aceita o pluralismo na educação. O pluralismo educacional destrói as sociedades de cultura católica pela violência

A verdade é única e intolerante. Não existe tolerância possível em relação à mentira, o compromisso entre a verdade e a não-verdade é um compromisso impossível. Por isso, as pessoas dos países de cultura católica precisam de ser educadas numa doutrina única, e isso só é possível quando uma instituição - o Estado - possui o poder coercitivo para a fazer impôr.

É necessário salientar que não importa aqui que a doutrina única seja verdadeira, pode até ser falsa ou somente meio-verdadeira, porque isso só reduz à qualidade de vida dos seus cidadãos e ao seu potencial de desenvolvimento, quando comparado com a situação em que a doutrina sob a qual são educados é verdadeira. O que importa é que a doutrina seja única e a mesma para todos, porque só sendo única impede que se acenda na sociedade o fósforo que ateia a violência - a intolerância radical dos povos de cultura católica. É a intolerância que desencadeia a violência civil que põe em risco a sobrevivência de um país de cultura católica. Os países desta cultura só morrem por uma causa - a intolerância.

Um regime de educação liberal, no sentido protestante do termo, em que qualquer grupo de cidadãos pode abrir livremente uma escola ou universidade sem autorização do Estado, empregar os seus próprios professores, definir os seus próprios programas - um regime, em suma, em que os cidadãos podem educar-se livremente uns aos outros, como sucede, por exemplo, nos EUA - produz verdades concorrentes que, a prazo se vão confrontar na vida pública. Não é possível o diálogo entre verdades concorrentes numa população radicalmente intolerante, uma verdade terá que dominar a outra, e esta é a origem da violência.

Num post anterior indiquei que numa sociedade de cultura católica, a anarquia no sistema de justiça prenuncia a anarquia na sociedade. Posso agora também afirmar que numa tal sociedade a violência física nas escolas e nas universidades entre diferentes facções, envolvendo estudantes e até professores, prenuncia a violência na sociedade e, no limite, a guerra civil.

Para testar, ainda que de forma preliminar, a minha tese, recorro ao período imediatamente a seguir à revolução liberal de 1820. Em meados de 1821, escreve Joaquim Veríssimo Serrão (*), "reconhecia-se não ser ainda possível a abertura de escolas oficiais em todos os lugares do Reino. Mas para que não houvesse perda de 'talentos', permitiu-se criar em qualquer cidade escolas de primeiras letras. Funcionavam elas gratuitamente ou por acordo dos interessados, mas sem 'dependerem de exame' ou de qualquer licença. (...) O método de ensino mútuo foi aprovado pela Cortes de 1822..." (bold meu).

Esta é a receita certa para a guerra civil. Pela idade dos alunos, o prenúncio da violência civil ocorre na Universidade. E qual era a situação na Universidade de Coimbra nessa altura, que era a única existente no país? A resposta é que a Universidade vivia um período de confrontação violenta e profunda entre duas facções igualmente intolerantes e que se odiavam mutuamente - liberais e miguelistas. A violência chegou ao ponto de incluir, ainda segundo Verísssimo Serrão, "o bárbaro assassínio de dois lentes da Universidade que, em Março de 1828, iam a caminho de Lisboa para prestar a homenagem da instituição a D. Miguel".

Poucos meses depois a Universidade era encerrada e Portugal entrava em Guerra Civil que duraria até 1834.

(*) Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal [1807-1832], vol. VII, Lisboa: Verbo, 1983, pp. 491-93.

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