08 março 2009

Portuguese style


Ao concluir este post, eu dei-me conta que o maior catante actualmente existente em Portugal é o próprio país. Este é o país católico por excelência que decidiu imitar as instituições protestantes desde 1820. Falhou sempre. Decorridos trinta e cinco anos sobre o início da última tentativa, já passou o tempo suficiente para que tenha perdido o sapato de cetim católico - a verdade - para ficar com o tamanco - a falsidade; e para demonstrar não ser capaz de calçar o sapato de veludo protestante - a justiça ou equidade - para ficar com o chinelo - a iniquidade.

A generalização do arquétipo-catante do individual para o colectivo pode ser abusiva, e a generalização abusiva é o maior risco da forma católica de pensar (o maior risco da forma protestante é, pelo contrário, a inferência abusiva). Mas não custa experimentar: Será o modelo catante eficaz para explicar a vida pública portuguesa actual?

Relembro as duas traves mestras que caracterizam o indivíduo, agora país, catante: a falsidade e a iniquidade. Se o modelo fôr eficaz, falsidade e iniquidade serão as características predominates da vida pública portuguesa actual, a qual poderá então ser descrita assim "A aparência da vida pública portuguesa não corresponde à realidade - a característica da falsidade -, e a realidade da vida pública portuguesa não corresponde àquilo que se julga - a característica da iniquidade. Por outras palavras, a vida pública portuguesa actual é pior do que parece; e a realidade é pior do que se julga".

A maior parte dos grandes temas que aparecem na imprensa sobre a vida pública portuguesa são temas respeitantes à verdade ("É verdade ... é mentira...?"), porque os portugueses são mais sensíveis às questões de verdade do que às questões de equidade. Porém, também as questões de equidade ("É justo ... não é justo...?") começam a fazer as primeiras páginas dos jornais, o que é um péssimo sinal. E é um péssimo sinal porque, não possuindo os portugueses sentido de equidade e sendo largamente indiferentes a ela, tal significa que as iniquidades existentes são gravíssimas.

Por exemplo, Sábado, uma das nótícias que fazia a primeira página do Público - a par dos insultos no Parlamento - era uma questão de equidade em que a CGD era a figura principal. Ao longo dos últimos anos, sempre que concedeu crédito à habitação a milhares dos seus clientes, a CGD enganou-se a calcular as deduções fiscais, fazendo-o por excesso. O Fisco deu recentemente conta do erro e exigiu à CGD a entrega dos montantes em dívida. E o que fez a CGD? Foi à conta dos clientes, sem qualquer aviso, e sacou de lá os montantes devidos. Pessoas que tinham os seus saldos para sustentar a família, que compraram casa há cinco anos ou mais, que julgavam que a sua situação perante o fisco estava regularizada, ficaram com as contas a descoberto. Sem dinheiro para fazer face às suas despesas do mês. Isto não é meramente abuso. É uma brutalidade.

Valeu que, sendo milhares os atingidos, o assunto chegou rapidamente às páginas dos jornais, porque se fossem apenas umas centenas teriam de aguentar o abuso e calar. Mas mesmo assim o que é que a CGD se propõe fazer? Emprestar aos clientes o dinheiro para regularizar a situação com o fisco, mas pagando os clientes juros pelo empréstimo.

Há um montante total, representando a agregação de muitos montantes individuais, que está em atraso perante o fisco, portanto juros são devidos pelo atraso. Quem cometeu o erro que gerou o atraso foi a CGD, mas quem paga os juros são os clientes. Fairness, Portuguese style.

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