Já o leitor MRP levanta uma objecção muito pertinente, tão difícil de tratar, mas tão evidente, que parece um verdadeiro ovo de Colombo. Escreve ele:
“porque não admitir que se o estatismo excessivo já dura assim há tanto tempo, e tendo-se revelado efémeras todas as tentativas que foram feitas para diminuir o seu peso, se calhar é porque as pessoas assim o querem.”
Tem toda a razão. Mesmo nos nossos dias, em que o estado está por todo o lado e é o verdadeiro e único responsável pela calamitosa situação em que está o nosso país, as pessoas continuam, na sua maioria, a pedir mais estado para resolver os problemas que ele já abundantemente demonstrou ser incapaz de resolver. Disso mesmo, aliás, fazem eco os partidos políticos, à esquerda e à direita, que continuam a dizer duas coisas: que é necessário mais estado; que é necessário melhor estado. A ninguém ocorre dizer que o que é necessário é menos estado. Porquê?
O Pedro Arroja, que anda, há algum tempo, em torno do enigma, encontrou uma explicação sociológica com algum cabimento: a tradição católica em que nos inserimos é adepta da autoridade e não da liberdade individual; os católicos, logo os portugueses, estão culturalmente habituados a que pensem por eles, a que julguem por eles, a que decidam por eles. Em suma, o estado substituiria na vida civil o que a Igreja preenche na esfera espiritual. É uma explicação interessante, com fundamento de verdade, mas insuficiente, a meu ver. Por mim, prefiro outra.
Eu diria que Portugal nunca conheceu verdadeiramente uma revolução liberal, no sentido de criar um verdadeiro Estado Constitucional, onde o poder obedecesse a regras jurídicas de natureza constitucional, provenientes da tradição e do direito privado, e não originárias na vontade discricionária do legislador constituinte.
Nestes termos, a Revolução de 1820 e a Constituição que dela resultou, a de 1822, tinham como preocupação fundamental o esvaziamento da soberania da coroa, em vez da criação de um poder limitado por uma ordem constitucional liberal. O que se seguiu a 1834 também não foi exemplar. Só no terceiro período de vigência da Carta Constitucional (1842) é que o regime começou a estabilizar. Sol de pouca dura, aliás, com o agravamento da situação política provocado pelo republicanismo, à medida que o século ia chegando ao seu final. Das constituições de 1911, 1933 e de 1976 (na versão original), em termos de limitação liberal da soberania, não vale a pena falar.
Portugal foi, é, um país onde nunca as suas elites políticas tiveram a mais pequena preocupação em promover uma verdadeira revolução liberal. Também, em verdade, nunca foram impelidas a isso por quem tinha obrigação de o fazer, a saber, a população e as suas elites representativas naturais. Isso teria por conseqüência a criação de regras estritas de contenção do poder público, o que certamente não lhes agradaria. Como não agrada hoje, como é público e notório.
Por outro lado, o país é pobre e isolado. Os governantes assustaram sempre os portugueses, e foram sempre dizendo-lhes duas coisas: que eles não sabiam governar-se (Salazar), ou que os governantes lhes retirariam esse fardo de cima das costas (III República), o que, na prática, equivale a dizer o mesmo. Receosas, as pessoas foram admitindo um poder público que faz o que lhe apetece, que só se contém em termos legais muito vagos, onde não vigora qualquer princípio de responsabilidade, que não política, de quem governa. Na democracia esse poder reivindicou uma legitimidade para fazer o que bem lhe apetece, em virtude do voto popular, que verdadeiramente não tem, porque nem os compromissos pré-eleitorais são respeitados, nem as decisões fundamentais dos governos eleitos são postas a votação. Trata-se de uma legitimidade meramente formal, sem qualquer correspondência material.
A modificação deste estado de coisas é muito difícil. Talvez mesmo impossível. Um caldo de cultura secular não se transforma por actos de vontade, Careceria de forte pressão da opinião pública, acompanhada por elites que verdadeiramente não possuímos, e de uma classe política que percebesse que tinha mais a ganhar seguindo este caminho do que aquele que tem percorrido até agora. Tudo isto é quase impossível, mas não é uma utopia. Pelo que não custa continuar a tentar.
“porque não admitir que se o estatismo excessivo já dura assim há tanto tempo, e tendo-se revelado efémeras todas as tentativas que foram feitas para diminuir o seu peso, se calhar é porque as pessoas assim o querem.”
Tem toda a razão. Mesmo nos nossos dias, em que o estado está por todo o lado e é o verdadeiro e único responsável pela calamitosa situação em que está o nosso país, as pessoas continuam, na sua maioria, a pedir mais estado para resolver os problemas que ele já abundantemente demonstrou ser incapaz de resolver. Disso mesmo, aliás, fazem eco os partidos políticos, à esquerda e à direita, que continuam a dizer duas coisas: que é necessário mais estado; que é necessário melhor estado. A ninguém ocorre dizer que o que é necessário é menos estado. Porquê?
O Pedro Arroja, que anda, há algum tempo, em torno do enigma, encontrou uma explicação sociológica com algum cabimento: a tradição católica em que nos inserimos é adepta da autoridade e não da liberdade individual; os católicos, logo os portugueses, estão culturalmente habituados a que pensem por eles, a que julguem por eles, a que decidam por eles. Em suma, o estado substituiria na vida civil o que a Igreja preenche na esfera espiritual. É uma explicação interessante, com fundamento de verdade, mas insuficiente, a meu ver. Por mim, prefiro outra.
Eu diria que Portugal nunca conheceu verdadeiramente uma revolução liberal, no sentido de criar um verdadeiro Estado Constitucional, onde o poder obedecesse a regras jurídicas de natureza constitucional, provenientes da tradição e do direito privado, e não originárias na vontade discricionária do legislador constituinte.
Nestes termos, a Revolução de 1820 e a Constituição que dela resultou, a de 1822, tinham como preocupação fundamental o esvaziamento da soberania da coroa, em vez da criação de um poder limitado por uma ordem constitucional liberal. O que se seguiu a 1834 também não foi exemplar. Só no terceiro período de vigência da Carta Constitucional (1842) é que o regime começou a estabilizar. Sol de pouca dura, aliás, com o agravamento da situação política provocado pelo republicanismo, à medida que o século ia chegando ao seu final. Das constituições de 1911, 1933 e de 1976 (na versão original), em termos de limitação liberal da soberania, não vale a pena falar.
Portugal foi, é, um país onde nunca as suas elites políticas tiveram a mais pequena preocupação em promover uma verdadeira revolução liberal. Também, em verdade, nunca foram impelidas a isso por quem tinha obrigação de o fazer, a saber, a população e as suas elites representativas naturais. Isso teria por conseqüência a criação de regras estritas de contenção do poder público, o que certamente não lhes agradaria. Como não agrada hoje, como é público e notório.
Por outro lado, o país é pobre e isolado. Os governantes assustaram sempre os portugueses, e foram sempre dizendo-lhes duas coisas: que eles não sabiam governar-se (Salazar), ou que os governantes lhes retirariam esse fardo de cima das costas (III República), o que, na prática, equivale a dizer o mesmo. Receosas, as pessoas foram admitindo um poder público que faz o que lhe apetece, que só se contém em termos legais muito vagos, onde não vigora qualquer princípio de responsabilidade, que não política, de quem governa. Na democracia esse poder reivindicou uma legitimidade para fazer o que bem lhe apetece, em virtude do voto popular, que verdadeiramente não tem, porque nem os compromissos pré-eleitorais são respeitados, nem as decisões fundamentais dos governos eleitos são postas a votação. Trata-se de uma legitimidade meramente formal, sem qualquer correspondência material.
A modificação deste estado de coisas é muito difícil. Talvez mesmo impossível. Um caldo de cultura secular não se transforma por actos de vontade, Careceria de forte pressão da opinião pública, acompanhada por elites que verdadeiramente não possuímos, e de uma classe política que percebesse que tinha mais a ganhar seguindo este caminho do que aquele que tem percorrido até agora. Tudo isto é quase impossível, mas não é uma utopia. Pelo que não custa continuar a tentar.
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