20 março 2009

não se sai

“Porque falhou o liberalismo em Portugal?”, pergunta o leitor D. Costa, cheio de oportunidade. Vou tentar responder-lhe.

Como questão prévia, eu diria que a pergunta carece de reformulação. Talvez assim: “porque nunca houve liberalismo em Portugal?”. É que só pode falhar o que foi tentado, e, verdadeiramente, não houve nunca liberalismo em Portugal. Admito que tenha existido alguma liberdade civil e económica em certos períodos recentes da nossa história, como na segunda fase do salazarismo e na segunda metade do século XIX, mas essa liberdade colidia com a ausência de liberdade política, no salazarismo, e de universalidade, na monarquia constitucional. Ora, o liberalismo não se esgota na economia e nas liberdades civis. Pressupõe, melhor, não dispensa a liberdade política e a universalidade dos direitos de cidadania.

Resta perceber porque nunca houve liberalismo em Portugal.

Eu diria, em primeiro lugar, que a liberdade não é nunca uma concessão da soberania. Pelo contrário, ela é uma imposição à soberania. E isso pressupõe, de facto, a existência de indivíduos livres e de uma sociedade robusta. Livres de quê? Da tutela do estado, naturalmente. Isto é, de pessoas que conduzam a sua vida independentemente do estado e para além dele, se assim o desejarem. Que possam viver satisfatoriamente sem terem que apelar às boas graças do soberano. Que sejam capazes de tomar decisões sozinhos ou em relação com os outros, sem a necessária mediação do poder público.

Ora, Portugal foi provavelmente o primeiro estado moderno da Europa. O primeiro a livrar-se do feudalismo e do regime senhorial. A disciplinar e a estatizar o municipalismo e a transformá-lo numa mera extensão do poder central. O primeiro a operar a centralização régia. Portugal é, desde a sua fundação, um estado e não tanto um país e uma comunidade. Ele nasceu de dissensões entre a sua classe dirigente. Cedo, muito cedo, criou uma administração régia uniforme. Unificou as fontes de direito, ou submeteu as que não eram de natureza legislativa a regras ditadas pelo poder central (vejam-se os requisitos para a admissibilidade judicial do costume nas sucessivas Ordenações do Reino). Limitou os poderes sociais intermédios, entre eles a Igreja Católica (todos os reis da Primeira Dinastia mantiveram conflitos com o Papado; tome-se em atenção o Beneplácito Régio, de D. Pedro I), e ao municípios, progressiva e rapidamente subalternizados à coroa. Regulou a economia e impôs sempre condições para a livre empresa que a faziam depender do estado.

Portugal foi, desde a sua origem, um estado. Isto que antigamente e mesmo agora, para muitos, constitui fonte de orgulho patriótico, gerou uma cultura de estatismo que sempre predominou na nossa sociedade. Formou uma sociedade de escravos dependentes do poder e não de homens livres. O sonho de qualquer português médio era, é hoje ainda, o de ser funcionário público. Não é necessário dizer mais nada.

Como se sai hoje disto, oitocentos anos depois? A minha resposta é esta: não se sai.

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