Uma das minhas principais conclusões, ao procurar estudar os portugueses, e em particular, os seus intelectuais - que são aqueles que, em geral, procuram imitar as instituições protestantes - é a de que acabam por ficar com o pior dos dois mundos possíveis, o mundo da tradição protestante e o mundo da tradição católica.
Volto neste post ao tema do intelectual catante, aquele que procura imitar o intelectual protestante, com a sua liberdade de expressão e a sua propensão para o debate civilizado, sem nunca conseguir libertar-se das peias da sua tradição católica. Esta ambição do intelectual catante é uma ambição compreensível. Ele quer ser um grande filósofo, um grande cientista - e praticamente todos os grandes filósofos e grandes cientistas modernos pertencem à tradição protestante -, mas depois o chão foge-lhe debaixo dos pés, ele não consegue libertar-se das atitudes de espírito e dos comportamentos que a sua própria tradição católica lhe inculcou. O resultado é um especimen intermédio - o intelectual catante (*) -, que possui todos os defeitos do intelectual de cada uma das duas culturas, sem possuir as qualidades do intelectual de qualquer uma delas.
No post anterior, já mostrei a triste figura que ele faz - a de um batoteiro, homem mal educado e insultuoso - quando posto perante o julgamento de uma audiência de cultura protestante. Procurarei neste post mostrar outro traço do seu carácter quando posto ainda perante o julgamento da mesma audiência - a sua teimosia, a sua obstinação, a sua casmurrice, enfim, a sua estupidez.
A cultura católica possui a verdade como filtro e o intelectual católico chega à verdade directamente pelos factos. É nos factos que está a verdade, e os factos não admitem contraditório. Pelo contrário, o intelectual protestante chega à verdade através da justiça, isto é, pelo debate que é um processo de litigação entre teses ou verdades diferentes. O intelectual católico possui sobetudo factos no seu espírito; o intelectual protestante possui sobretudo teses. Eu pretendo agora recriar um debate entre um intelectual protestante, aquele que possui uma tese acerca de um determinado assunto, e um intelectual catante, aquele que gostaria de possuir teses, mas devido à sua cultura, só possui factos no espírito. Imagino que a audiência - o júri - é constituída por pessoas de cultura protestante:
-Protestante: O preço e a quantidade procurada de um bem variam em sentido inverso, ceteris paribus, quando o preço aumenta a quantidade procurada diminui, quando o preço diminui a quantidade procurada aumenta.
-Catante: É mentira! Ainda ontem a minha tia Marcolina comprou um BMW novo depois do preço ter aumentado 5500 euros na semana passada...
-Protestante: Oh homem, mas esta tese, chamada a Lei da Procura em Economia, é uma tese geral, destina-se a descrever o comportamento da generalidade das pessoas, não necessariamente o da sua tia Marcolina...
-Catante: Tá bem, seja lá como fôr, é um disparate... E digo-lhe mais, ela também não descreve o comportamento do meu amigo Ernesto que acaba de comprar uma mota nova um mês depois dos preços terem aumentado vinte por cento... Portanto, isso que está para aí a dizer são tretas...
-Protestante: Mas a minha tese também não se destina a descrever o comportamento do seu amigo Ernesto...destina-se a descrever, como regra geral, o comportamento de todas as pessoas deste mundo...
Catante: É por isso que não consegue descrever o comportamento de nenhuma pessoa, por exemplo, da minha amiga Francelina que deixou de comprar uma certa marca de soutiens mesmo depois dos preços terem caído a metade... Vá pentear macacos com as suas teses ... tretas é o que elas são!...
Não tendo uma tese para contrapôr ao Protestante, o intelectual Catante fica obstinado em arruinar a tese do outro, e nisto consiste a única tese que ele consegue formular - ser contra a do outro. E fá-lo com os factos excepcionais que, longe de falsificarem a tese do outro, precisamente a confirmam.
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(*) O outro tipo de intelectual híbrido é o prolico, o intelectual protestante que ambiciona ser um intelectual católico, mas que não consegue libertar-se das peias da sua própria cultura protestante. É uma raridade, porque os intelectuais protestantes raramente ambicionam imitar os católicos. Os intelectuais católicos é que ambicionam imitar os protestantes, daí a importância do intelectual catante.
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